O Estatuto divide-se em dois livros. O primeiro trata da proteção dos direitos fundamentais à pessoa em desenvolvimento. O segundo cuida dos órgãos e procedimentos protetivos. Nesta segunda parte estão definidas as normas para adoção, a aplicação de medidas socioeducativas, a atuação do Conselho Tutelar e, ainda, a caracterização dos crimes cometidos contra crianças e adolescentes.
No momento em que o Estatuto da Criança e do Adolescente completa 25 anos de vigência, surgem correntes que defendem sua atualização, argumentando que os fatos de 2015 já não são mais os mesmos de 1990, quando o diploma legal foi sancionado.
Porém, para o Desembargador Siro Darlan, presidente da 7.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e titular durante 15 anos da Vara da Infância e da Juventude da Cidade do Rio de Janeiro, não há razões para que a lei seja modificada, mas, sim, observada:
“O Estatuto da Criança e do Adolescente é um documento revolucionário. Eu costumo compará-lo à lei que aboliu a escravidão no Brasil. Assim como ela não acabou com a escravidão, com a exploração do homem pelo capital, também o Estatuto da Criança e do Adolescente, apesar dos seus 25 anos de vigência, está longe de ser uma realidade. É uma lei revolucionária porque eleva o Brasil à mesma estatura da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças. Ocorre que nós temos uma prática muito ruim: os governantes do Brasil não elegeram a criança e o adolescente como prioridade absoluta, como diz a nossa Constituição Federal. Prioridade absoluta significa conceder às crianças e adolescentes prioridade no orçamento, nas políticas públicas, no respeito aos direitos fundamentais, e, por isso, não cabe nenhuma reforma de uma lei que ainda não entrou em vigor por inércia do administrador público brasileiro.”
Na opinião do Desembargador Siro Darlan, os governos têm de se fazer mais presentes e atuantes no cumprimento do Estatuto: “Todos os países que atingiram um desenvolvimento salutar investiram na educação de suas crianças, com ensino de horário integral, de qualidade, e essa não é a realidade brasileira. Hoje se discute a redução da maioridade penal, num verdadeiro retrocesso, porque na época do Império o Brasil já teve a responsabilidade penal fixada em 14 anos. Evoluímos e agora estamos discutindo esse retrocesso, culpabilizando jovens adolescentes que estão na criminalidade em razão da falta de cuidado da sociedade e do povo brasileiro com suas crianças e seus adolescentes. O que nós temos de fazer para combater a violência é garantir os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, o que significa inseri-los na sociedade civilizada através de um processo de educação, de respeito aos seus direitos de ter uma família, aos cuidados que toda criança e adolescente precisa ter porque o país que respeita a sua criança a coloca como prioridade absoluta em todas as ações, e lamentavelmente esta não é a realidade brasileira.”
O desembargador também é contrário à proposta de que a redução da maioridade penal se dê apenas para os crimes considerados especificamente hediondos. Para Siro Darlan, “hediondo é deixar criança sem escola, sem família, sem alimentação, sem cuidado, sem respeito. Isso é hediondo. Se nós tratarmos disso com seriedade, não estaremos mais preocupados com adolescentes em conflito com a lei, praticando infrações.”
O advogado Marcelo Chalreo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro, tem opiniões similares às do Desembargador Siro Darlan. Como o magistrado, o advogado diz que o Estatuto da Criança e do Adolescente precisa ser cumprido, e não modificado: “O Estatuto tem, na verdade, 25 anos de não cumprimento pelo poder público executivo em todas as esferas: federal, estadual e municipal”, diz o Dr. Chalreo. “O sistema socioeducativo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que é um sistema de proteção e de direitos permitindo, inclusive, a retirada temporária do adolescente da sociedade para o cuidado social, ainda é algo nefasto, não existente.”
“Inexistem no Brasil políticas gerais de proteção à criança e ao adolescente”, continua o Dr. Marcelo Chalreo. “Não há uma horizontalidade em relação aos órgãos públicos federais, estaduais e municipais no trato da questão. É uma questão tratada isoladamente, como se fossem apêndices, como autênticos bunkers dentro da estrutura do Estado. Faltam políticas públicas efetivas. Nas comunidades mais carentes do Rio de Janeiro, nós chegamos a ter de 40% a 50% das crianças fora da escola, com 13, 14, 15 anos de idade. Um absurdo que isso aconteça na Cidade do Rio de Janeiro, que, em 2014, foi sede da final da Copa do Mundo de Futebol, e em 2016 será sede das Olimpíadas. A vontade política de executar políticas públicas para aqueles que mais necessitam não é posta em prática nem pela Prefeitura nem pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro.”
O advogado Marcelo Chalreo também se opõe à proposta de redução da maioridade penal. “A possibilidade da condenação de menores de acordo com a legislação penal brasileira é um absurdo total, um retrocesso social inimaginável. A sociedade brasileira estará dando um passo para trás se apoiar a redução da maioridade penal. Enquanto em alguns países se discute o aumento da idade, no Brasil estamos discutindo a redução e dando um passo atrás na História.”
Para o Dr. Chalreo, todas as estruturas de proteção aos menores precisam ser reavaliadas, inclusive os chamados “institutos de ressocialização.” Perguntado sobre estas instituições, ele responde:
“Os institutos de ressocialização são escolas do crime, reproduzindo, muitas vezes, o ambiente dos cárceres dos presídios e das cadeias. Onde o sistema socioeducativo funciona com um mínimo de qualidade, com um mínimo de atenção efetiva como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, o índice de ressocialização chega a 70%. Portanto, o Estado deve cumprir a sua obrigação primeira, de dotar esses institutos das condições necessárias à ressocialização dos menores. Nós temos de fazer a sociedade compreender que o ECA é uma norma de proteção social, não apenas das crianças e adolescentes eventualmente infratores como também da sociedade que precisa de cuidados.”