Especialista: As FARC são mais que uma questão da Colômbia, na área de controle dos EUA

© REUTERS / Presidency-Peace Office/Handout via ReutersReunião entre negociadores das FARC e do governo colombiano, em Havana, Cuba.
Reunião entre negociadores das FARC e do governo colombiano, em Havana, Cuba. - Sputnik Brasil
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O Presidente Juan Manuel Santos anunciou entendimento com as FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, para que em 4 meses as negociações de paz sejam implementadas ou o Governo estabelecer uma nova conduta em relação aos guerrilheiros. O especialista Fernando Almeida fala sobre o assunto, com exclusividade para a Sputnik Brasil.

Negociações de paz entre o governo colombiano e as FARC estão sendo realizadas em Havana, com mediação de diplomatas cubanos e noruegueses - Sputnik Brasil
FARC e governo da Colômbia chegam a acordo para desescalada dos conflitos no país
As conclusões, anunciadas no domingo em Havana, foram alcançadas após um período de negociações que envolveram diplomatas de Cuba e da Noruega.

O Professor Fernando Almeida, do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF – Universidade Federal Fluminense, concedeu a entrevista a seguir.

 

Sputnik: Como o senhor vê esse avanço entre as posições adotadas pelo Governo da Colômbia e as lideranças das FARC, em negociações que tiveram curso em Havana, com a presença de diplomatas de Cuba e da Noruega?

Fernando Almeida: Esse considerado avanço propõe, em verdade, um tempo para que se pense a respeito do cumprimento das metas estabelecidas para as FARC. São 4 meses a partir do dia 20 de julho, em que o Governo se compromete a fazer uma desescalada de operações militares e ver qual a resposta que a guerrilha da FARC vai dar a isso. Depois o Governo decide se retoma a escalada militar e o que fazer. A seguir, em 25 de outubro, há eleições para prefeitos e governadores na Colômbia, e deve haver bastante discussão a respeito desse processo até lá. Há partidos envolvidos, a oposição colombiana quer fazer um plebiscito a respeito, a situação é bem complexa.

S: Por que as conversações entre o Governo e as FARC não evoluem, não atingem o desfecho esperado, que é a pacificação do país?

FA: É uma polarização muito antiga, não se resolve com facilidade. Existem grupos paramilitares que já foram, até há alguns anos, autorizados a funcionar pelo próprio Governo colombiano e não foram totalmente desativados. Existem os demais partidos conservadores. Existem os interesses dos Estados Unidos por trás – eles têm a intenção de estabelecer 7 bases militares na Colômbia. A própria criação das FARC é derivada de uma violência estúpida que ocorreu nos anos 60, incentivada pelas forças de segurança estrangeiras que queriam impedir guerrilhas fortes na América do Sul. Então, é uma polarização muito grande, e também há todos os interesses que envolvem, no sistema internacional, a questão das drogas, do narcotráfico, que mobiliza recursos colossais.

S: Diz-se que essa é atualmente a principal fonte de renda das FARC.

FA: É porque as áreas de produção, de refino da coca, ficaram sob proteção das FARC, com cobrança de pedágio e coisas do gênero. E contaminou o processo todo. De novo se liga a uma doutrina estrangeira, de contenção da produção da droga na origem, no local de produção, da oferta, e que leva a uma aproximação muito grande com os EUA, com o Plano Colômbia. Então, não é uma questão só regional. Se fosse só regional já seria muito grave, pois a Colômbia é um país muito importante, é a terceira economia da América do Sul, tem saída para o Pacífico, para o Atlântico, é um país de uma economia sofisticada em termos regionais. E, por ser também nessa região do Atlântico um país do Caribe, ela fica na área direta de controle dos Estados Unidos.

S: O Governo e as FARC se acusam mutuamente de ter começado a escalada de um conflito armado, e os recentes ataques contra oleodutos, torres de energia, rodovias aumentaram a desconfiança dos colombianos sobre a possibilidade de um diálogo efetivo. A seu ver, os colombianos têm razão para presumir que esse acordo deva ser visto com reserva?

FA: Eu acredito que sim, por conta da tensão permanente que existe no país. Existe outro grupo, o Exército de Libertação Nacional, que tradicionalmente está ligado a sabotagens na infraestrutura. As FARC têm um contingente militar ainda razoavelmente forte – já foi bem mais forte, mas ainda o é – e as questões sociais não foram resolvidas. A Colômbia tem essa polarização toda em razão de ser também um país polarizado economicamente.

S: Tanto o Governo da Colômbia quanto as FARC vão pedir o acompanhamento de um delegado, do secretário-geral da ONU, de uma delegação da presidência da Unasul, que atualmente é exercida pelo Uruguai, para que se coloque em andamento a discussão sobre o sistema de monitoramento e verificação do processo de paz. Com este acompanhamento internacional, o senhor acredita que as negociações de paz tenham melhores chances de apresentar resultado efetivo, ou seja, a paz que o povo da Colômbia tanto anseia?

FA: Sim, porque ficam contempladas as visões das diferentes partes em conflito. A da Unasul vai estar seguramente mais ligada à questão social, mais à esquerda, tendo a presidência do Uruguai, que agora também é uma coisa bastante positiva. Insiste numa lógica de que a comunidade internacional seja informada do que está acontecendo para dar credibilidade aos agentes que negociam. É preciso tratar de coisas gravíssimas, ainda, como as reparações das vítimas. Em caso de avanço desse processo, como serão os trabalhos da Justiça a respeito da responsabilidade sobre as mortes, isso tudo é muito complicado, já são 51 anos deste tipo de conflito. Na verdade, é até mais antigo.

S: De conflitos insolúveis, pelo visto.

FA: Sim, porque a questão social, em última instância, não é resolvida. Quando se falou em reforma agrária, de forma um pouco mais séria, foi há muito pouco tempo, há dois anos. Quando se falou que as FARC entrariam para a política como partido, também foi há pouco tempo. É até interessante que o atual presidente [Juan Manuel Santos], reeleito, se interesse por isso, que ele tenha evoluído nesta questão, ele que foi ministro da Defesa no Governo anterior [do Presidente Álvaro Uribe].

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