Opinião: Rússia prova capacidade de gestão para ampliar fronteira na plataforma ártica

© Sputnik / Alexander Liskin / Acessar o banco de imagensAmanhecer no Ártico russo
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Com base na topografia de sua plataforma continental no Ártico, a Rússia apresentou à ONU o pedido revisado para a ampliação das suas fronteiras naquele oceano. O especialista brasileiro Diego Pautasso comenta a reivindicação russa.

A reivindicação da Rússia para a revisão parcial da localização da sua fronteira marítima na plataforma ártica “parte da compreensão de que as partes componentes do complexo das elevações do Ártico e, especificamente, a cordilheira Lomonosov, as elevações Mendeleev-Alpha e Chukotia são formações de natureza continental". Ou seja, a área reivindicada – de mais de 1 milhão de quilômetros quadrados – faz parte do território russo, e a Rússia terá o controle dos recursos naturais locais, incluindo os hidrocarbonetos. 

Diego Pautasso, especialista em Rússia e professor de Relações Internacionais do Colégio Militar de Porto Alegre e da Unisinos – Universidade do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, falando com exclusividade para a Sputnik Brasil, comenta que a questão deve ser analisada por dois ângulos. O primeiro, de ordem de segurança, que é "a de negar às demais potências o acesso ao entorno regional russo". E o segundo, "de ordem econômica, para garantir a exclusividade da exploração dos recursos marinhos e energéticos porventura descobertos naquela região do Ártico". Em gás e petróleo, seria o correspondente à quarta parte de todas as reservas mundiais desses dois hidrocarbonetos.

A seguir, os pontos de destaque da entrevista com o Professor Pautasso.

 

Sputnik: A Rússia, fundamentando seus direitos sobre o que considera como extensão de sua plataforma continental, já determinou a instalação de bases militares no Ártico, e unidades especiais estão sendo treinadas e preparadas como efetivo permanente no Ártico. Isso cria certo ambiente de antagonismo, um choque de interesses com os demais países que também se julgam no direito de ter sua plataforma continental estendida no Ártico?

Diego Pautasso: Não se pode desassociar essa rivalidade, o eventual tensionamento da própria expansão da OTAN em nível territorial. Essa disputa no Ártico é parte de um tabuleiro mais amplo, de posicionamento, de defesa e de projeções de poder e, sobretudo, do ressurgimento da Rússia na cena internacional. Também neste sentido, basta observar que a capacitação militar russa está se dando de forma bastante significativa nas três armas: Exército, Marinha e Força Aérea. O Ártico é um dos principais espaços marítimos da Rússia, assim como o Mar Negro, que envolve, não por acaso, a Ucrânia, daí a necessidade de se reafirmar também no espaço marítimo.

S: O território que a Rússia reivindica como seu no Oceano Ártico é a Cordilheira de Lomonosov, que se eleva a 3.700 metros desde o fundo do oceano, e, por estimativas de grandes especialistas, é ali que está concentrada a quarta parte das reservas mundiais de hidrocarbonetos.

DP: A Rússia precisa buscar no suporte científico-geológico a argumentação para legitimar junto às organizações internacionais – no caso, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar – sua exclusividade em termos de exploração da zona marítima das 200 milhas, ou até estender essas 200 milhas marítimas. Há uma certa analogia com o caso brasileiro. É preciso lembrar que o Brasil, durante os anos 1970, ampliou para 200 milhas a sua zona exclusiva de exploração, e hoje trabalha para utilizar essa continuidade da plataforma continental para poder ampliar sua zona exclusiva. E há também o caso do pré-sal, que é uma das maiores reservas de petróleo descobertas nos últimos anos e que tem um espaço enorme de crescimento.

S: Quando o Brasil estabeleceu esse decreto das 200 milhas náuticas como seu território marítimo, o país foi alvo de muitas críticas internacionais. Uma delas dizia que o país não tinha efetivos militares, potência militar suficiente para patrulhar uma zona tão ampla quanto essa.

DP: Muito bem lembrado. Isso reforça o argumento de que a Rússia não vai deixar essa brecha aberta para eventualmente dizerem que ela não tem capacidade de gestão sobre aquela área, e por isso o pleito jurídico e diplomático ocorre em consonância com o fortalecimento de suas capacidades militares.

S: A Rússia já vem trabalhando na procura de seus direitos à expansão de sua plataforma continental no Ártico há pelo menos 4 ou 5 anos, quando tiveram início as expedições coordenadas pela Sociedade Geográfica Russa, presidida pelo hoje ministro da Defesa, Sergei Shoigu, que na época era ministro para as Situações de Emergência e Defesa Civil. E naquele período, reunindo geógrafos, cientistas de várias especialidades e a Academia de Ciências da Rússia, tiveram início esses trabalhos que resultaram num amplo fundamento, no imenso volume de processo que ora está sendo apresentado à ONU. Espera-se que ainda este ano a ONU se manifeste sobre estas pretensões da Rússia.

DP: Não há nenhuma coincidência entre o fato de a autoridade que coordenava essas pesquisas sobre o espaço do Ártico ter se transformado no ministro da Defesa. Isso mais uma vez mostra a sinergia e a relação estreita que existe entre os interesses científicos no Ártico, os interesses econômicos e os interesses de segurança. Portanto, o pleito russo, em nível internacional, está casado com as suas ambições como potência, como país importante, sobretudo nos cenários eurasiático e ártico.

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