Como a Embaixada de Cuba em Washington foi aberta em 20 de julho pelo ministro do Exterior cubano, Bruno Rodríguez, com esta última cerimônia, em Havana, chega ao fim o longo hiato de 54 anos em que os dois países estiveram rompidos.
Mas, para o jornalista Marco A. Gandásegui, hijo, professor da Universidade do Panamá, pesquisador do CELA – Centro de Estudios Latinoamericanos Justo Arosemena e editor da revista Tareas, ainda restam importantes aspectos a serem solucionados entre os dois países para que as suas relações diplomáticas sejam consideradas como plenamente restabelecidas.
Que aspectos são estes? É o que o professor panamenho Gandásegui revela nesta entrevista exclusiva concedida à Sputnik Brasil.
Sputnik: Nesta sexta-feira o secretário de Estado americano John Kerry fez uma visita oficial a Havana para inaugurar oficialmente a sede da Embaixada do seu país em Cuba. Esta é a primeira visita de um secretário de Estado dos EUA a Cuba desde 1945, portanto, em 70 anos. O que pode explicar esta longa ausência de um chefe da diplomacia dos Estados Unidos em Cuba, se os dois países só romperam suas relações diplomáticas 16 anos depois, em 1961?
Marco A. Gandásegui, hijo: As relações entre Cuba e Estados Unidos remontam aos tempos coloniais, quando a frota inglesa chegou a Havana e ocupou Cuba por algum tempo durante o século XVIII. O objetivo era promover o comércio entre a ilha e as 13 colônias inglesas na América do Norte. Ao longo do século XIX, os Estados Unidos viam Cuba como um candidato apto a se tornar Estado-membro da União Federada. Finalmente, em 1898, os Estados Unidos invadiram a ilha quando os combatentes partidários da independência haviam praticamente derrotado os espanhóis. Os Estados Unidos ocuparam a ilha até 1902, convertendo-a em uma república neocolonial até 1959, quando a Revolução Cubana pôs fim a esta situação. Durante o século XX, Cuba foi visitada por cinco secretários de Estado norte-americanos, cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores. O primeiro destes cinco secretários esteve em Cuba em 1902, e o quinto, em 1945. Naquela época, as viagens – oficiais ou ordinárias – não eram tão comuns quanto na atualidade.
S: De acordo com as agências de notícias, John Kerry não convidou dissidentes do regime cubano para a cerimônia de reinauguração da Embaixada norte-americana em Havana. Na sua opinião, de que forma Washington pensa em conduzir suas relações diplomáticas com o Governo cubano e, em especial, com os irmãos Castro?
MAGh: As declarações do Presidente Barack Obama e de sua equipe de assessores têm sido muito claras desde dezembro de 2014, quando foi anunciado o processo para o restabelecimento das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba. O objetivo que move os Estados Unidos é de promover uma mudança de regime em Cuba através de políticas que possam ser desenvolvidas por meio de mecanismos diplomáticos. O Presidente Raúl Castro tem consciência desta realidade e vem sinalizando que, diante destas circunstâncias, Cuba pretende romper o bloqueio dos Estados Unidos e buscar fórmulas que lhe permitam garantir o pleno desenvolvimento das potencialidades de sua população.
S: Mesmo com Cuba e Estados Unidos retomando as suas relações diplomáticas, ainda há questões pendentes entre os dois países como, por exemplo, o fim do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos a Cuba e o pagamento de indenizações recíprocas. Os cubanos querem ser indenizados pelas perdas sofridas com o embargo, e os norte-americanos exigem pagamentos pelas expropriações. Na sua opinião, por quanto tempo se arrastarão estas negociações entre Cuba e Estados Unidos até que se encontrem soluções satisfatórias para ambas as partes?
MAGh: Neste momento, não se pode prever quanto tempo será necessário para que sejam estabelecidos acordos em torno do pagamento das indenizações exigidas por ambos os países. Isto demanda um processo. Pessoalmente, sou de opinião que os Estados Unidos não pretendem reconhecer as demandas cubanas. O importante é que as negociações se concentrem no desmantelamento do bloqueio de Cuba por parte dos Estados Unidos. Há indícios de que Washington agirá com rapidez para favorecer certos setores de suas exportações, como alimentos e tecnología. Cuba tem de insistir na reciprocidade e, inclusive, no respeito dos Estados Unidos pela observância do Direito Internacional e dos direitos humanos.
S: Fidel Castro, que na quinta-feira, 13, completou 89 anos, disse que “os Estados Unidos devem uma fortuna a Cuba em indenizações”. Em sua opinião, como serão calculados estes valores para reparar o que os dirigentes cubanos consideram como “danos por mais de 50 anos”?
MAGh: Fidel Castro acompanha a correlação das forças existentes nas distintas facções da clase dominante dos Estados Unidos. Creio que seu pronunciamento teve a intenção de alertar os governantes dos Estados Unidos a colocar a questão das indenizações devidas a Cuba em suas agendas. Fidel também sabe que o povo norte-americano – ao contrário da oligarquia governante – tem um carinho especial por Cuba e pela sua revolução, como demonstram as pesquisas. Este é um fator que favorece a política externa cubana.
S: O processo de restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, anunciado conjuntamente em dezembro de 2014 pelos Presidentes Raúl Castro e Barack Obama foi, pode-se dizer, concluído em 14 de agosto de 2015. Na sua opinião, foi um prazo razoável?
MAGh: O processo mediante o qual foram restabelecidas as relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos não foi concluído em 14 de agosto de 2015. Este é um processo que só terminará quando o bloqueio econômico dos Estados Unidos a Cuba for levantado, quando forem devolvidos a Cuba os territórios de Guantánamo ocupados por militares dos Estados Unidos, e quando os Estados Unidos pagarem a sua dívida para Cuba. Será um processo duro e difícil mas os cubanos decidiram que este é o caminho correto. Estes objetivos poderão ser alcançados em 10 anos? Ou será necessário um século? Além de Havana e Washington, há um terceiro ator nesta luta dos cubanos: é a comunidade latino-americana e internacional que se solidarizou a Cuba e tem rechaçado as políticas agressivas dos Estados Unidos contra o país.
S: Com embaixadores nomeados e credenciados junto aos respectivos governos, Cuba e Estados Unidos já podem considerar plenamente restabelecidas as suas relações políticas?
MAGh: As regras diplomáticas são conhecidas e públicas. Em sua grande maioria, os países cumprem um conjunto de normas reconhecidas por tratados internacionais. A correlação de forças, não obstante, é um fator muito importante que sempre deve ser ponderado. O país mais forte – no caso, os Estados Unidos, potência hegemônica durante todo o século XX – costuma desconhecer os direitos de países terceiros assim como não costuma subscrever tratados e romper alguns outros com muita frequência. Todos os países latino-americanos têm sido vítimas destes abusos da política externa norte-americana. Cuba tem de forjar alianças com Governos da região e com países de outros continentes para conter a agressividade dos Estados Unidos. Um futuro Governo norte-americano pode pretender recolonizar Cuba mediante o uso de táticas desestabilizadoras, inclusive utilizando militares, táticas estas conhecidas de sobra. Cuba tem de estar preparada para rechaçar qualquer ofensiva deste tipo.
S: Quais deverão ser os próximos passos entre os dois países após mais de 50 anos de ruptura política?
MAGh: Cuba, provavelmente, exigirá que o bloqueio econômico dos Estados Unidos seja levantado, que Guantánamo seja evacuada e que os Estados Unidos paguem as indenizações devidas. Os Estados Unidos porém não darão importância a estes pontos-chave. Em troca, Washington dará ênfase à obtenção de privilégios para realizar investimentos em áreas estratégicas da economia cubana. Os Estados Unidos também tratarão de impor políticas ao Governo cubano para a redução de gastos públicos, com saúde, educação e outros aspectos. Para alcançar estes objetivos, os Estados Unidos organizarão movimentos subversivos que lhes permitam ter acesso à tomada direta de decisões políticas dentro de Cuba. O caminho se mostra muito difícil. Estamos convencidos de que a sabedoria do povo cubano, junto com os povos irmãos do mundo, neutralizará estas pretensões e permitirá a Cuba alcançar os seus objetivos.