Cerca de 6.000 militares portugueses vão participar do exercício. Além dos militares envolvidos diretamente no treinamento (940 integrados na Força de Resposta Rápida da OTAN 2016 e 2.220 nos meios complementares), o país terá ainda mais 3.000 militares nas forças de apoio (Host Nation Support). Em Portugal, o exercício militar vai decorrer nas zonas de Beja, Santa Margarida, Tróia e Setúbal.
Curiosamente, este exercício militar era reivindicado pelos países do Leste, que pretendiam que este se realizasse junto à fronteira com a Rússia. Foi a acção diplomática conjunta de Portugal, Espanha e Itália que determinou que o Trident Juncture, considerado uma “operação de músculo” da OTAN, se realizará no flanco Sul europeu da aliança, conforme escreveu o jornal Público na altura em que as manobras foram anunciadas.
Estas manobras de grande escala são uma enorme fonte de preocupação para os cidadãos europeus. Mesmo as reuniões de cúpula da Aliança Atlântica têm sido acompanhadas de protestos de dezenas de milhares de pessoas.
Para compreender melhor as consequências da próxima “demonstração de força” da Aliança Atlântica, a Sputnik entrevistou um especialista português, Rui Namorado Rosa, investigador, professor catedrático jubilado da Universidade de Évora e militante do Partido Comunista Português.
Sputnik: Qual é a sua posição sobre os próximos grandes exercícios da OTAN, Trident Juncture, em Portugal, Espanha e Itália?
Rui Namorado Rosa: Eu gostaria de citar uma petição presentemente a circular em Portugal que afirma o seguinte:
“Considerando que a OTAN anunciou a realização em Portugal e Espanha, com o apoio da Itália, dos maiores exercícios militares das últimas décadas (…)
Considerando que, num momento em que se multiplicam situações de tensão, de conflito e de guerra — inclusive na Europa e no Mediterrâneo Oriental — e aumentam a insegurança e a instabilidade internacionais, os exercícios militares desta organização belicista, envolvendo forças militares e território portugueses, não podem deixar de merecer o mais expressivo repúdio;
Num momento em que em vários países, incluindo Portugal, são pedidos sacrifícios aos cidadãos e amplas camadas da população são lançadas na pobreza, recordamos que a OTAN coloca como objetivo o aumento das despesas belicistas e que os orçamentos militares dos seus países membros representam cerca de 70% do total dos gastos militares mundiais (1,8 biliões de dólares, 2014);
Os portugueses e as portuguesas abaixo-assinados, comprometidos com a causa da Paz, da cooperação, do progresso e da justiça social:
— Repudiam a realização dos exercícios militares da OTAN;
— Rejeitam a participação das forças portuguesas em agressões militares da OTAN a outros povos;
— Afirmam ser urgente a dissolução da OTAN, o fim das armas nucleares e de extermínio em massa, o fim das bases militares estrangeiras e o desarmamento geral e controlado;
— Reclamam das autoridades portuguesas o cumprimento das determinações da Constituição da República Portuguesa e da Carta das Nações Unidas, em respeito pelo direito internacional, pela soberania dos Estados, pelo direito à autodeterminação e pela igualdade de direitos dos povos.”
S: Como avalia o movimento antimilitarista, anti-OTAN em Portugal?
RNR: Recordo que aquando da realização em Portugal em novembro de 2010 de uma cúpula da OTAN tiveram lugar numerosas iniciativas, incluindo uma conferência com participação internacional, uma petição dirigida à Assembleia da República e uma manifestação dia 20 de novembro desse ano no centro de Lisboa que reuniu cerca de trinta mil pessoas. Esta concluiu com a leitura de uma declaração que transcrevo:
1. A OTAN é uma aliança militar agressiva que constitui na atualidade a maior ameaça à paz e à segurança internacional,
2. A OTAN, apostada em esmagar os direitos dos povos, violar as soberanias nacionais e subverter o direito internacional, mantém o mundo refém da corrida aos armamentos, da ameaça de guerra e do terror nuclear,
3. A OTAN é responsável por crimes hediondos, pela liquidação de incontáveis vidas humanas, pela destruição de países e de recursos,
4. Enquanto milhares de seres humanos morrem de fome e de doenças evitáveis e a pretexto da crise e do combate ao défice se atacam as condições de vida e os direitos dos trabalhadores, as despesas militares não cessam de aumentar – os orçamentos militares dos países membros da OTAN representam, em conjunto, cerca de 70% das despesas militares no mundo,
5. Os grandes responsáveis pela agudização da situação econômica e social ao nível nacional e internacional são os mesmos que promovem a corrida aos armamentos, a militarização das relações internacionais e a guerra,
6. Portugal, membro fundador da OTAN pela mão do regime fascista, mantém-se há mais de sessenta anos dependente desta aliança belicista e dos interesses dos EUA e das grandes potências da União Europeia,
7. O empenho das autoridades portuguesas na OTAN colide com princípios fundamentais contidos na Constituição da República Portuguesa e na Carta das Nações Unidas, de que Portugal é signatário, como a: soberania, independência, não ingerência, não agressão, resolução pacífica dos conflitos, igualdade entre Estados; abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração; desarmamento, dissolução dos blocos político-militares;
8. Na linha dos anteriores, o actual governo português impõe novos e acrescidos sacrifícios aos trabalhadores e gasta milhões de euros com a adaptação das forças armadas portuguesas às exigências da OTAN e com o envio de militares portugueses ao serviço das suas agressões,
9. A defesa da paz e a luta contra a guerra é parte integrante e condição necessária para assegurar o progresso e a justiça social dos povos,
10. Foi com a Revolução de Abril que os trabalhadores e o povo português conquistaram direitos fundamentais, como o fim da guerra colonial e o início e estabelecimento de relações de paz, de cooperação e de amizade com todos os povos do mundo,
11. A Constituição que consagrou a paz e que preconiza, por exemplo, que «Todos têm direito ao trabalho», que «Todos têm direito à segurança social», que «Todos têm direito à saúde», que «Todos têm direito a uma habitação», que «Todos têm direito à educação e à cultura», é a Constituição que não podia deixar de consagrar que cada povo é soberano e que tem o direito de decidir o seu presente e futuro,
12. A conquista da paz pelo povo português está irmanada com luta pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores portugueses,
13. É por ter esta consciência que saúdam a grande Greve Geral convocada pela CGTP-IN para dia 24 de novembro e convidam todos os trabalhadores e trabalhadoras portugueses a nela participarem,
14. Valorizando as inúmeras iniciativas, a ampla participação e a profunda experiência unitária que representa a Campanha em defesa da Paz e contra a Cúpula da OTAN em Portugal – Campanha «Paz sim! OTAN não!», assumem o compromisso de continuar a reforçar o movimento pela paz e anti-imperialista, persistindo na sua activa intervenção em prol:
• Da oposição à OTAN e aos seus objetivos belicistas;
• Da retirada das forças portuguesas envolvidas em missões militares da OTAN;
• Do fim das bases militares estrangeiras e das instalações da OTAN em território nacional;
• Da dissolução da OTAN
• Do desarmamento e o fim das armas nucleares e de destruição maciça
• Da exigência do respeito e cumprimento da Constituição da República Portuguesa e das determinações da Carta das Nações Unidas, pelo direito internacional e pela soberania e igualdade dos povos.
S: Que alternativa para Portugal se sair da OTAN? Quem assegurará a defesa do país?
RNR: Quando Portugal sair da OTAN livra-se de um pesado fardo e contribuirá positivamente para um mundo mais justo e pacífico.
A defesa do país caberá, como assim foi ao longo da história, às Forças Armadas portuguesas e, supletivamente, aos países amigos. Acontece que Portugal, após a descolonização, não tem qualquer inimigo nem disputa com qualquer país. A convivência pacífica é desejável e é possível, para tal, o principal é respeitar as outras partes e sermos responsáveis nos nossos deveres.