Segundo Ana, o maior medo dos refugiados é de não saber como continuar a viagem. Já bastante exauridos, ela conta que uma vez em Belgrado a maioria acredita que o objetivo está próximo, não se dando conta de que tudo está apenas começando.
"Aqui é preciso dizer “Acabou, não tem mais nada, espere" o tempo todo" – revelou a ativista de uma das organizações que diariamente visita os migrantes no parque para distribuir roupas, medicamentos, fraldas, xampus e outros itens de subsistência.
"Isso não pode continuar por muito tempo. A ajuda não pode partir apenas de pequenas organizações. Nós não somos capazes de suprir a quantidade necessária de camas e barracas. Não sei qual é a estratégia do país, mas muito em breve ficará difícil para controlar a situação" – diz a ativista.
A viagem seguiu de trem para um campo de refugiados na cidade de Kanjizha, localizada na fronteira sérvio-húngara, e onde Ana entrevistou uma família síria formada por pai, mãe, duas filhas e um filho pequenos.
"Elas estão tão calmas porque já se acostumaram a tudo" – disse a mãe das crianças.
Seus objetivos agora são de conseguir chegar à Dinamarca, de ver seus filhos indo à escola e de finalmente conquistar a liberdade após todas as provações passadas.
Indagado sobre as dificuldades de ter precisado deixar sua pátria em troca de condições de vida decentes, o pai da família respondeu:
"Difícil, os nossos corações doíam, mas não tínhamos escolha. Se nós não tivéssemos filhos, nós nunca teríamos deixado a Síria. Acreditem, quando houver paz na Síria, vocês não verão um só sírio na Europa. Nós somos muito apegados ao nosso país, à nossa terra natal".
Segundo ele, barracas, leitos, banheiros e chuveiros foram instalados no local não faz muito tempo, quando a comida também começou a ser fornecida de forma mais constante pela Cruz Vermelha.
"O mais difícil é quando você é agradecido por coisas banais, como, por exemplo, papel higiênico. A pessoa pede um rolo de papel, e quando você o entrega, ela te agradece como se você lhe tivesse doado o seu rim. Agora, fica claro o tanto de coisa por que eles tiveram que passar" – contou Kemal.
Ele disse ainda ter ouvido informações de que atualmente encontram-se na fronteira entre Turquia e Sérvia cerca de 2,5 milhões de refugiados.
"O meu medo é com relação à chegada do frio. É um local aberto, aqui os ventos são fortes, o inverno no norte da Sérvia é muito frio. Não quero nem pensar no que pode acontecer com eles" – disse o ativista.
Ele contou que o acampamento carece de comida, medicamentos, roupas, calçados e tradutores, e que as breves visitas de políticos ao local levam mais um caráter simbólico do que prático, o principal trabalho ficando por conta de voluntários.
Apesar de parecer próxima, os migrantes são separados da União Européia por uma cerca metálica na fronteira da Hungria – símbolo do medo dos europeus diante do enorme fluxo de migrantes do Oriente Médio e Norte da África.
Um dos refugiados, Assad Omar, que se identificou como curdo-sírio e contou ter carregado seu filho doente de câncer por cinco dias nas suas costas, revelou ainda que muitos temem que a Hungria possa fechar suas fronteiras de vez. A esperança de muitos, segundo ele, são os contrabandistas, mas, diante de tanta gente, mesmo estes são difíceis de serem encontrados.
Outro fato relevante revelado por Omar foi a sua surpresa de ter encontrado muitos iranianos, paquistaneses e afegãos dentre os migrantes.
"Nós fugimos do nosso país por causa da guerra, nós tentamos salvar as nossas crianças, mas eu não entendo o porquê de tantas pessoas de outros países estarem fugindo comigo para a Europa. Para entrar na Europa muitos se identificam como sírios. Eles causam muitos problemas para nós. Já tivemos conflitos por aqui por conta disso" – se queixou Omar.
Se de longe o acampamento tem a aparência de um grande festival de música cheio de tendas, de perto, revela Ana, o local se assemelha mais a uma zona de quarentena, onde policiais usam máscaras e luvas de borracha para evitar problemas durante o contato com os refugiados.
Dali, as pessoas são conduzidas para ônibus e levadas para um centro especial de cadastro. Outras, no entanto, preferem evitar o acampamento para tentar a sorte em caminhos alternativos, através de bosques e campos. O seu objetivo, conta Ana, é de deixar a Hungria por conta própria o mais rápido possível até 15 de setembro, quando entrará em vigor uma nova lei punindo com até três anos de prisão a entrada ilegal no território do país.
Enquanto isso, novos campos para refugiados cercados por arame farpado e devidamente preparados para forças de segurança estão sendo construídos na fronteira entre Sérbia e Hungria.
"O governo da Hungria irá considerar Sérvia, Macedônia e Grécia como países "confiáveis". Isso significa que eles irão negar pedidos de asilo e enviar os refugiados de volta para esses países. Para facilitar esta operação, eles irão construir um grande centro de trânsito no qual as pessoas serão detidas após cruzar a fronteira" – explicou Kamiy Turnbiz, da Organização de Solidariedade com Migrantes, envolvida com a crise migratória desde o seu início e empenhada em documentar violações de direitos dos refugiados por parte das autoridades húngaras.
Até lá, a Hungria está finalizando os trabalhos para fechar com arame farpado as últimas brechas de entrada de refugiados através da fronteira com a Sérvia. Segundo a correspondente da Sputnik, Ana Otasevic em alguns trechos da cerca é possível ver pendurados pedaços de roupas – vestígios de tentativas bem ou mal sucedidas dos refugiados em transpor um muro de dois metros de altura.