Professor de Relações Internacionais da UNIP – Universidade Paulista e diretor-geral do Cenegri – Centro de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais, entidade com sede no Rio de Janeiro, Charles Pennaforte falou com exclusividade à Sputnik Brasil.
Sputnik: Em termos de relações exteriores, qual a linha comum que os cinco países do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – devem adotar?
Charles Pennaforte: Acredito que deva ser a linha da multipolaridade, a defesa dos países-membros, principalmente no caso do Brasil, que é um país que sempre defendeu a multipolaridade, da mesma forma que a Rússia. Dessa maneira, deve se manter essa preocupação de se criar um senso comum de atuação na esfera internacional. Acredito que deva se manter isso.
S: Quando o senhor fala em multipolaridade, certamente está falando numa ampliação de parceiros internacionais.
CP: De modo mais específico, seria a existência de vários polos de atuação internacional no que se refere à hegemonia internacional, ou seja, se por um lado no mundo pós-Guerra Fria vimos a tentativa dos EUA de se manterem como um polo hegemônico, o que une estes países é justamente o processo inverso, a criação de vários polos, que não seja somente um polo ligado aos EUA. Isto é o que nós trabalhamos, em relações internacionais, como multipolaridade. Historicamente, num mundo pós-Guerra Fria, tivemos os EUA, com o bloco americano, a Europa sob hegemonia alemã e a parte asiática sob hegemonia japonesa. Como houve uma reviravolta nos últimos 20 anos, notamos que a tentativa de Washington de se manter como único polo decisório de influência geopolítica internacional vai esbarrar em outras proposições. De certo modo, China, Brasil e Rússia trabalham com a perspectiva de vários polos e não no que seria a unipolaridade, de só um país detentor da capacidade de influenciar o mundo.
S: A partir desta observação que o senhor está fazendo, devemos lembrar que em todos os pronunciamentos internacionais do presidente da Rússia, Vladimir Putin, é dito que o mundo contemporâneo não comporta mais lugar para hegemonias e sim para um trabalho conjunto e harmônico entre os países.
CP: Isso mesmo. Está dentro da própria proposta do BRICS. A criação do BRICS é uma forma de fugir do polo tradicional. Ou seja, os países em dificuldades econômicas sempre procuravam recursos no FMI – Fundo Monetário Internacional, obedecendo as velhas e clássicas diretrizes econômicas e ajustes. O surgimento do Banco do BRICS vai pelo lado oposto, cria outro polo diferenciado de ajuda aos países que possam estar com problemas econômicos. Este é o principal aspecto que os BRICS trabalham e vão trabalhar ao longo do tempo. É criar uma perspectiva que não seja somente de um lado a ser hegemônico, a comandar ou ditar propostas sem consultar a comunidade internacional. Por esta linha o BRICS tem um fator muito importante.
S: A era da imposição de objetivos goela abaixo passou, não há mais lugar para ela no mundo ideal?
CP: Sem dúvida. É importante porque cria alternativas e outras perspectivas de procurar resolver questões clássicas, como o desenvolvimento econômico, modelos de subvenção, etc.
S: Nós estamos notando que os países do bloco BRICS seguem a mesma orientação adotada pela Rússia, da não ingerência em questões internas de outros países. O Brasil adota esta posição, a China é muito discreta em relação a posicionamentos políticos, a Índia não tem registro de fazer quaisquer observações em torno de assuntos soberanos alheios, assim como a África do Sul. Esta é uma tendência que deve predominar nas relações internacionais?
CP: Acredito que sim, que a tendência seja esta. O Brasil sempre teve essa perspectiva, nunca teve uma intromissão acentuada em assuntos de outros países, e quando existe alguma questão a ser pontuada pelos Governos brasileiros ao longo da história, ele sempre utilizou as instituições multilaterais. A ONU é um campo específico para discutir, trabalhar ou fazer alguma recomendação a algum membro que não esteja seguindo algum aspecto importante, por exemplo, dos direitos humanos. Geralmente se utiliza muito este discurso como forma de escamotear interesses econômicos ocultos e que em algum momento o governo instalado no poder de determinado país não está sendo muito dócil a outros interesses.
S: Brasil e Índia aspiram tornar-se membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, com direito a veto. O senhor vê possibilidades de a questão prosperar, ou haverá, por exemplo, oposição por parte dos Estados Unidos?
CP: Não é um processo que possa correr rapidamente, e as questões geopolíticas são determinantes. O aumento [do número de membros permanentes] é salutar, é justa a postulação dos países, mas a questão transcende o aspecto meramente formal. O que está por trás são outros interesses econômicos, políticos e geopolíticos, e em princípio Washington não teria nenhum interesse em alterar esta correlação de forças atual. No longo prazo, talvez isso evolua para um processo de transformação, mas tem que ser algo muito bem trabalhado e que conte com apoio majoritário dos países que compõem a ONU.
S: São 193 países constituintes da ONU…
CP: Sendo que só 5 têm poder de veto. Isto vai ter que passar dentro do Conselho e por essas potências. Sabemos que um país sozinho pode vetar qualquer tipo de mudança. Eu continuo não acreditando numa mudança em curto e médio prazos, e sim em longo prazo.
S: Pelo menos mais dois países já se mostraram favoráveis à reestruturação do Conselho de Segurança da ONU – Alemanha e Japão. E eles compõem com o Brasil e Índia o chamado G4.
CP. Exatamente. É uma tentativa de ganho geopolítico. A Alemanha está fora, em função da Segunda Guerra Mundial. O Japão, idem. Seria um bom momento. Se vai existir não só capital político mas também uma efetivação geopolítica para isso, é outro detalhe. Na minha concepção, tudo passa pelo interesse de Washington em aceitar essa mudança de composição do Conselho de Segurança. Geopoliticamente não é muito interessante para eles.