Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, Paulo Storani comentou as medidas que podem ser debatidas no Poder Legislativo, diante das constatações do grande número de assassinatos de policiais civis no Brasil.
A taxa anual de mortalidade de policiais em serviço em São Paulo é de 41,8 por 100 mil policiais; no Rio de Janeiro, de 198 por 100 mil. Enquanto isso, nos Estados Unidos, o índice é de 4,7/100 mil, e na Alemanha, de 1,2/100 mil.
A seguir, a entrevista com Paulo Storani, professor da Universidade Cândido Mendes e ex-instrutor do Bope, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
Paulo Storani: Primeiramente devemos retroceder um pouco para pensar na causa dos números que nós presenciamos hoje. Essa pesquisa mostra isso de uma forma profunda. A falência de uma política de segurança pública, na verdade eu vou mais fundo: a ausência de uma política de segurança pública que possa minimamente atender às demandas da população em viver com segurança, promovendo o bem-estar das pessoas. É para isso que escolhemos nossos governantes e os nossos legisladores. O que estamos presenciando, através dos números, é a consequência direta disso, principalmente relacionada à morte de policiais.
Estamos falando de um país, o Brasil, que tem o maior índice de morte de policiais, talvez, no mundo. Situações semelhantes nós poderíamos constatar em áreas conflagradas ao longo do mundo em guerra quase declarada, e temos a mesma realidade aqui no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro. No curto prazo, infelizmente, não temos nada a fazer, porque estamos ainda tentando lidar com as consequências da ausência de uma política nacional que tenha capacidade de envolver as unidades da Federação e até os municípios, principalmente das capitais, para que pudéssemos promover uma política integrada com as instituições policiais se comunicando melhor, agindo de uma forma conjugada, mas identificando principalmente as causas daquilo que produz como consequência. Infelizmente, em curto prazo, o que temos que fazer é a ação direta da polícia. Infelizmente ela vai produzir encontros com maior letalidade, com a morte de policiais e de criminosos, mas também inocentes que vão ficar no meio do confronto, principalmente em comunidades.
No médio e no longo prazo, é pensarmos, de uma forma republicana, um Brasil com as dimensões territoriais que ele tem, pensarmos investir mais e de forma mais qualitativa, em ações e em estruturas para fiscalizar nossas fronteiras secas e molhadas. Estamos falando de um grande desafio que são os 17 mil quilômetros de fronteiras secas e molhadas. Devemos atuar de forma integrada com aquelas instituições, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, que vêm fazendo um trabalho significativo, com um pequeno efetivo, de apreensão de drogas e armas em nossas rodovias, vindos de países com os quais temos boas relações diplomáticos, em que o Brasil investe de uma forma maciça através do BNDES mas não exige nenhuma contrapartida no sentido de fiscalizar o contrabando e o tráfico de drogas e armas. Nós damos o recurso e não recebemos nada em troca.
Pensar no médio prazo é pensar desta maneira. No longo prazo, é pensar na consolidação dessas políticas, que poderiam ser aperfeiçoadas continuamente, através de metas que devem ser obedecidas, a responsabilização do cumprimento dessas metas pelo próprio Governo Federal, Estadual e Municipal e as próprias instituições oficiais, principalmente fiscalizando o agente de segurança pública no momento da sua ação. E nós poderíamos, sim, mais adiante, talvez nos próximos 10, 15 ou 20 anos, ter uma mudança profunda nesse cenário.
Infelizmente temos escolhido governantes e legisladores que não conhecem o assunto e militam de uma forma mais ideológica do que prática naquilo que se relaciona com segurança pública. Esse é o resultado que estamos colhendo. Nos últimos 10 anos houve um aumento significativo da falta destas políticas. O cidadão hoje clama por medidas que devem ser tomadas, e este indicador de que 50% dos entrevistados acham que “bandido bom é bandido morto” é a busca extrema de uma medida que resolva o problema no curto prazo mas infelizmente iria produzir mais violência do que a intenção de eliminar o problema. Por esta ausência, nós estamos amargando o cenário que estamos experimentando em todas as grandes capitais e até nas pequenas cidades do Brasil.
S: O senhor se refere à pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgada pela mídia nesta segunda-feira?
PS: Sim. A pena de morte não foi instituída no Brasil. Eu sou contra esta medida radical, não podemos pensar que resolver o problema é eliminar o antagonista. Isto é uma medida extrema que na história da humanidade se vê de uma forma pendular, tanto à direita quanto à esquerda, quando se chega aos extremos. Buscar esse meio termo é o grande desafio e vai requerer das pessoas maior capacidade, maior conhecimento e, principalmente, liderança no processo que infelizmente, no Brasil hoje, nós não vemos. Não consigo ver, no cenário do Executivo brasileiro, em termos de União, Governo Federal, uma liderança capaz de conduzir este processo. Os discursos sempre são extremistas e isto me preocupa, tanto à esquerda quanto à direita, e não vemos isso hoje na nova geração de políticos brasileiros, infelizmente. O Brasil carece dessa liderança inspiradora que assuma responsabilidades. Somos muito bons em fazer discursos, mas a nossa prática normalmente destoa desses discursos, e nossos políticos vêm mostrando isso. Temos algum tempo para resgatar, esperando que surjam, nessas novas gerações, políticos com capacidade de colocar o Brasil no seu verdadeiro caminho, no caminho que ele merece, que sua população tanto requisita.
S: Quais as medidas necessárias para solução dos problemas de segurança pública no Brasil?
PS: Primeiramente, reconhecer a gravidade do problema e o que ele representa para as pessoas de uma forma geral, muito mais do que para a imagem da nação. O que representa para o cidadão que acorda de manhã, que vai pegar uma condução, que vai para o seu trabalho, que deixa sua família em casa, sabe que seus filhos vão à escola – essa pessoa tem que ter em mente, tanto o pai quanto a mãe, um mínimo de segurança em saber que seu filho vai para a escola e vai voltar no final do dia e possa, ao longo de um grande período, ter um mínimo de tranquilidade. Reconhecer o problema é fundamental, e parece que temos uma dificuldade muito grande em relação a isso. A partir daí, promover um diagnóstico e estabelecer políticas relacionadas a este diagnóstico, de curto, de médio e de longo prazo, porque existem ações nestes três campos temporais. Temos na academia, nos grandes centros de estudos, pessoas capazes de promover isso. Infelizmente são pouco ouvidas e pouco requisitadas. Só são ouvidas, e suas ideias apresentadas, no momento do movimento de uma campanha eleitoral. Depois que nossos representantes, tanto do Executivo quanto do Legislativo, ganham as eleições, esquecem totalmente aquela orientação técnica que foi apresentada como proposta.
PS:O discurso de revisão do estatuto do desarmamento, flexibilizando as normas, acabou sendo fruto de um debate importante ocorrido no Brasil, no momento em que a lei estava sendo editada, entre aqueles que achavam que se deveria abolir o armamento e aqueles que achavam que deveria continuar. Foi um meio termo interessante, foi fruto de uma discussão, embora teoricamente tenha perdido a força que defendia a proibição do comércio de armas no país. Acho que as pessoas têm o direito à autodefesa, e esse direito é muito mais requerido num momento em que se vive um cenário como este, de violência, e é o ponto fundamental em que as pessoas, se sentindo inseguras, querem se sentir seguras a partir do momento em que têm acesso às ferramentas necessárias para impedir uma agressão contra si ou contra sua família, contra seu bem, seu patrimônio. É partindo de uma ferramenta como uma arma de fogo, como se isso fosse a solução.
Embora os indicadores de homicídios no Rio de Janeiro venham caindo, o tipo de violência que vemos ainda – principalmente homicídio, latrocínio, até roubo de rua – continua, simbolicamente, aumentando. Isso impacta muito a população, impacta as pessoas, razão pela qual elas vão buscar, por meio de uma mudança da legislação, formas de se defenderem. Isto é um sinal de que o sistema não está funcionando e o Governo, na sua incompetência, não consegue mostrar isso às pessoas e até criar uma perspectiva de uma melhoria das ações das instituições policiais para que essa vontade possa ser pelo menos apaziguada. Enquanto isso não acontecer, vai aumentar a intenção das pessoas em querer se proteger e, pior, fazer justiça com as próprias mãos, como vemos em alguns momentos.
S: E quanto à redução da maioridade penal, o senhor é contrário ou favorável?
PS: Eu sou favorável a uma revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente no que diz respeito à responsabilidade sobre o menor em conflito com a lei, o menor que comete ato infracional, estar internado em no máximo três anos por decisão do juiz de menores. Isso mostrou que não tem condição de diminuir a incidência dos jovens envolvidos com os atos infracionais tipificados como crimes. A redução da maioridade penal encarcerando este jovem pode trazer um benefício no curto prazo, mas se não houver uma profunda reflexão sobre o sistema penitenciário brasileiro, a forma como esse encarceramento está se dando, a forma como se prepara esse jovem para retornar depois à sociedade, tanto ele como o adulto, significa que daremos perenidade a este sistema perverso de cadeia como depósito de pessoas, sem condições dignas mínimas para eles poderem pelo menos cumprir sua pena, porque isso faz parte do Estado de Direito em que nós vivemos, e não permitindo isso nós estamos agravando toda aquela causa que levou tanto o jovem quanto o adulto a cometer o delito.
Sou favorável a uma revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ocorreram algumas propostas em relação a isso, mas no cenário em que estamos vivendo as pessoas vão apostar mais no endurecimento da norma legal, diminuindo a idade penal para aqueles jovens que, com certeza, não têm condição de ser regenerados. Digo isso porque acompanho fatos, vi isso ao longo de minha carreira, durante minha vida na Polícia Militar, e eu considero que, embora legítima, a intenção das pessoas não vai surtir efeito positivo no médio e no longo prazo.