De acordo com o Ministério da Justiça, a cooperação visa a definir procedimentos e ações conjuntas, além de auxiliar as unidades consulares brasileiras na emissão de documentos, para o processamento rápido ao conceder vistos especiais. O conflito na Síria teve início em março de 2011 e até o momento não existem perspectivas de resolução.
Para o professor de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Michael Mohallem, uma medida de cooperação como essa era esperada, devido à postura do Brasil, que já vinha concedendo vistos humanitários para sírios e em setembro deste ano prorrogou por dois anos o prazo para emitir o visto especial para pessoas que fogem da guerra na Síria.
O advogado Mohallem, no entanto, ressalta como novidade a medida a mais tomada pelo Brasil na qualificação das unidades diplomáticas para agilizar o atendimento aos refugiados no Líbano, na Turquia e também na Jordânia:
“A surpresa está justamente no passo além dado pelo Governo brasileiro: não só houve a renovação dessa política, que é absolutamente voluntária, mas também o Brasil deu um passo a mais de qualificação dessas unidades diplomáticas, agora não apenas no Líbano, mas também na Turquia e na Jordânia, de modo a facilitar, a fazer uma triagem com mais qualidade, averiguar a situação desses indivíduos que solicitam esse visto para posteriormente, uma vez ingressando no Brasil, solicitar o refúgio.”
O especialista em direitos humanos acha a medida muito importante e positiva, pois vai evitar possíveis casos de sírios chegando ao Brasil sem preencher os pré-requisitos solicitados de refúgio e sendo impedidos de ficar no país.
“O impacto pode ser muito positivo, pois evita casos em que esses sírios eventualmente chegassem ao Brasil e não tivessem as condições preenchidas, e aí não só o custo da viagem, recursos financeiros e todo o ônus que causa para essas famílias chegar aqui e ter a sua solicitação rejeitada pelo Governo brasileiro.”
Michael Mohallem continua:
“Não existe uma figura de pré-seleção, de uma pré-avaliação da situação do refugiado, mas de alguma maneira essas unidades diplomáticas que o Brasil tem feito, essa qualificação da equipe diplomática para fazer essa triagem para a concessão do visto, de alguma maneira facilita, antecipa cenários problemáticos e auxilia o trabalho do Conare, quando essas pessoas entrarem em território brasileiro.”
Ainda de acordo com o plano de cooperação, as atividades acordadas agora em Genebra serão implantadas em caráter piloto nas representações consulares brasileiras na Jordânia, no Líbano e na Turquia. Seus resultados serão avaliados pelo Governo do Brasil e pelo ACNUR em março do ano que vem.
Mohallem destaca ainda que, além da característica do Brasil de ter tradicionalmente as portas abertas num gesto humanitário para refugiados e imigrantes, o país passa a ser exemplo para que os países europeus repitam o mesmo gesto.
“Importante destacar que o Brasil, ao fazer isso, aponta mais do que sinalizar uma política coerente com a tradição brasileira de receptividade de refugiados e de imigrantes de um modo geral. O Brasil sinaliza um caminho importante para os países europeus, já que são destinos prioritários, dadas a relação cultural e a relativa proximidade geográfica, já que o Brasil é muito distante. Não é um destino preferencial, por conta do alto custo que é vir para cá.”
“É um gesto brasileiro que tem relevância para além da política brasileira, mas também internacionalmente. O Brasil faz um gesto e dá um sinal muito positivo.”
O acordo de cooperação entre o Brasil e o ACNUR é consequência da Resolução Normativa n.º 20, editada pelo Conare em 21 de setembro e que prorrogou por mais dois anos a Resolução Normativa n.º 17. A norma facilita, desde 2013, a concessão de vistos especiais a pessoas afetadas pelo conflito na Síria. A medida permite que vítimas daquele conflito possam vir ao Brasil e solicitar refúgio com base na Lei 9.474 de 1997 e nos acordos internacionais.
Segundo dados do Governo brasileiro, 7.976 vistos foram emitidos com base nessas resoluções. Entre os cerca de 8.530 estrangeiros presentes atualmente em território brasileiro e reconhecidos oficialmente como refugiados, os sírios representam o maior grupo, com 2.097 pessoas.