Os presidentes dos Bancos Centrais do CEMLA – Centro de Estudos Monetários Latino-Americanos estão reunidos em Lima, Peru, discutindo inúmeras questões regulatórias do sistema financeiro e bancário do continente. Um dos temas em debate é a reação dos latino-americanos às desvalorizações das suas moedas nacionais por parte de grandes instituições financeiras e bancárias internacionais.
Sobre esta questão, a Sputnik Brasil ouviu o economista Heitor Silva, professor das Faculdades de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam).
No início de julho de 2015, o CADE informou que sua superintendência-geral abriu processo administrativo para investigar os bancos Barclays, Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank, HSBC, JPMorgan, Bank of America, Merrill Lynch, Morgan Stanley e UBS. Além destas, há outras instituições sob análise, como o Banco Standard de Investimentos, Banco Tokyo-Mitsubishi UFJ, Nomura, Royal Bank of Canada, Royal Bank of Scotland e Standard Chartered, além de 30 pessoas físicas.
As apurações do CADE ocorrem em paralelo a investigações na Europa e nos Estados Unidos. Segundo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, na época da divulgação daquele comunicado não havia indícios de envolvimento de bancos brasileiros na manipulação do câmbio e na desvalorização do real.
Sputnik: Essa questão da manipulação do câmbio por algumas das mais fortes instituições financeiras do mundo – qual o seu propósito e a quem aproveita?
Heitor Silva: Por ser um tema complexo, vale a pena explicar o que é. Porque se ouve tanto falar, e as pessoas às vezes não entendem o que é um ataque especulativo. Um ataque especulativo é uma retirada, uma venda de moeda estrangeira em grande quantidade, buscando a desvalorização da moeda nacional em relação à estrangeira. Isso é o que compõe um ataque especulativo. Quando ele é feito só por uma ou duas empresas, não, é uma necessidade ocasional dessa empresa de ter que vender as moedas. Mas quando é em grande quantidade a saída da moeda estrangeira do território, começa-se a perceber que há uma concatenação de grandes agentes econômicos buscando a desvalorização da moeda. Aí, sim, caracteriza-se um ataque especulativo.
S: Qual é o organismo que fiscaliza isso?
HS: O Banco Central acompanha isso dia a dia, porque é ele quem detém os dólares e vende e compra no mercado, mas quem investiga isso é o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Quem pode realizar um ataque especulativo? Bancos, megainvestidores e as grandes e megaempresas de exportação e importação. Para explicar a vantagem de um ataque especulativo, vamos pensar em termos de um patrimônio comum, um apartamento. Se estivermos com uma cotação do dólar em 1 por 1 e a pessoa tiver um apartamento de 400 mil reais, ele nesse momento terá um apartamento equivalente a 400 mil dólares. Se, porém, nós vivêssemos um momento como estamos vivendo agora, onde um 1 dólar compra 4 reais, ou seja, a nossa moeda está desvalorizada em relação ao dólar, esse mesmo apartamento continuaria valendo os 400 mil reais, mas em dólares passaria a valer 100 mil dólares. É esse o objetivo: quando se faz um ataque especulativo, o detentor de moeda estrangeira entra depois que a moeda está desvalorizada e compra o patrimônio nacional a preços vis. Compra as empresas brasileiras, compra estoques de matérias-primas. Esses são os objetivos dos grandes investidores – eles apostam no momento e mais adiante entram comprando muito barato o patrimônio nacional.
S: É isso que está acontecendo?
HS: Há cerca de duas semanas o diretor de um grande grupo de investimentos já tinha dito que o Brasil estava sofrendo um ataque especulativo, e ele mencionou um grupo chamado iShares NSCI Brazil Capped, que é um fundo negociado em Nova York. Esse fundo tinha 84 milhões de ações naquele momento, em setembro deste ano, sendo que 59 milhões, ou seja, 77% estavam descobertos. Ele não tinha papéis para cobrir aqueles 59 milhões de ações. O que ele estava esperando? Esse fundo é um dos que mais têm apostado numa quebra da nossa moeda em relação ao dólar, porque aí, sim, ele entra aqui e compra os papéis para poder colocar no fundo, já que ele tem alguns dias para realizar a transação, e entra comprando muito mais barato. Então, são esses os interesses que estão por trás da desvalorização.
HS: As condições para um ataque especulativo estão ligadas a questões de política econômica e de politica mesmo, condições de governabilidade. Quando há problemas na credibilidade sobre a capacidade do Governo de pagar os títulos de dívida que ele tem, que as pessoas desconfiam que o Governo não vai conseguir pagar esses títulos, todo mundo tenta sair, vender rápido esses títulos e converter em moedas fortes, Então isso já é um fator que enfraquece a moeda nacional. Outro fator é quando se tem perda de credibilidade na geração de riqueza do país, ou seja, as pessoas acham que o país vai crescer menos, que a economia vai vender pouco. Isso afeta quem? Os portadores de ações, os acionistas das empresas. E aí o que eles fazem também? Eles tentam vender rapidamente as ações e procurar se colocar em moedas fortes – dólar, euro, iene – e esses movimentos é que permitem, que criam caldo de cultura para a ocorrência dos ataques especulativos.