Ao participar em São Paulo de um debate em torno do lançamento do seu livro “Diários da Presidência 1995-1996”, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso criticou a Presidenta Dilma Rousseff pelo fato de ela manter sua agenda de viagens para o exterior. Nos próximos dias, Dilma estará na França, participando da Conferência do Clima COP-21, em Paris, e de lá, segue para a Ásia, continente em que irá visitar Vietnã e Japão.
Para Fernando Henrique, Dilma Rousseff não deveria sair do país num momento em que “o Brasil está se esfacelando”. Sobre as considerações de Fernando Henrique Cardoso, a Rádio Sputnik Brasil ouviu o Cientista Político Antonio Marcelo Jackson, Professor de Ciência Política do Departamento de Educação e Tecnologias da UFOP, Universidade Federal de Ouro Preto, entidade sediada em Minas Gerais. Para Antonio Marcelo Jackson, as críticas de FHC à Dilma não têm fundamento.
Sputnik: Como o senhor analisa a crítica feita pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso à Presidenta Dilma Rousseff de que ela não deveria se afastar do Brasil num momento de tanta turbulência?
Antonio Marcelo Jackson: Eu só posso interpretar essa fala do Senhor Fernando Henrique Cardoso muito mais como uma liderança partidária e muito menos como um ex-presidente da República porque como ex-presidente da República, se formos levar a sério o que ele falou, ele foi absolutamente injusto. Nenhum presidente da República, nenhuma liderança política ou administrativa do mundo deixa de realizar suas tarefas, suas atividades, e de fazer com que o país tenha o maior número de relações internacionais possíveis, em virtude de uma crise política. O próprio Fernando Henrique é um exemplo disso. Nos oito anos em que ele esteve à frente do governo brasileiro, não me recordo de ele ter cancelado viagem alguma, em razão das crises que ele enfrentou. A primeira crítica que faço a ele, se for entender a sua fala como ex-presidente da República, é que ele foi injusto. Eu quero acreditar que ele tenha falado muito mais como uma liderança do PSDB, um partido que é oposição clara ao governo Dilma Rousseff do que como ex-presidente.
S: A próxima viagem para a França, Japão e Vietnã está sendo interpretada como uma oportunidade de o Brasil captar investimentos nos mercados europeu e, sobretudo, no asiático, para as exportações brasileiras, o que funcionaria como uma espécie de contrapartida para a parceria transpacífico. Qual a sua avaliação sobre essas análises?
AMJ: Extremamente positiva. Não podemos esquecer que o mais interessante de qualquer país do mundo é que ele tenha o maior número possível de parceiros comerciais, na medida em que não se crie dependência alguma tanto de ele adquirir produtos quanto de ele vender produtos. O primeiro passo é o próprio fortalecimento do grupo BRICS. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul vêm se fortalecendo bastante e isto é extremamente positivo. Quanto à questão da viagem de Dilma Rousseff ao Vietnã e ao Japão, é lógico que isso também é importante, porque o Brasil, como um país da América do Sul mas com apenas litoral para o Atlântico, sempre teve um contato menor com os países do Pacífico, à exceção, é claro, nos últimos anos, com a China, em virtude das exportações de minério de ferro, notadamente. Aprofundar os laços com o Japão, que até já existem mas é interessante que eles melhorem mais ainda e com o Vietnã, que é outro mercado muito interessante, é algo muito positivo.
S: O ex-presidente também foi questionado se a presidenta Dilma Rousseff não deveria convocar os ex-presidentes e conclamar as lideranças políticas para um debate, uma tentativa de apresentação de propostas em torno da discussão dos problemas políticos que afligem o país. O senhor concorda com esse argumento?
AMJ: O argumento em si é muito bom e é uma ideia que vem dos Estados Unidos, os presidentes americanos e ex-presidentes fazem isso de maneira sistemática. Poderia até acontecer aqui no Brasil, mas o problema é que precisaríamos que os nossos ex-presidentes agissem mais como ex-presidentes e menos como lideranças partidárias, porque em linhas gerais, e incluo aí o ex-presidente Lula, as atitudes deles depois de deixar o Palácio do Planalto, é o retorno muito claro e muito mais forte, ao seu núcleo político/partidário e em nome disso efetuando críticas muito duras a quem está no poder do que efetivamente agindo como pessoas que passaram por aqueles dilemas e transtornos naturais de qualquer presidência da República. A ideia em si de formar uma espécie de clube de ex-presidentes é muito interessante mas os nossos ex-presidentes precisariam mudar de postura. Não é que não se faça críticas, evidentemente uma crítica deve sempre acontecer afinal não estamos falando de um mundo perfeito, muito pelo contrário.
Essa postura do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, nessa fala recente, criticando a viagem da Presidente Dilma Rousseff é uma atitude, como eu já disse, muito mais de uma liderança de um partido de oposição e muito menos de um ex-presidente da República.
*O Palácio do Planalto informou na tarde desta sexta-feira (27) que a Presidenta Dilma Rousseff decidiu cancelar suas viagens ao Vietnã e ao Japão, prevista para o período de 1 a 4 de dezembro, por conta do agravamento da crise política e fiscal no Brasil.