A mudança de posições é resultado da 14.ª Revisão Geral de Cotas, que vinha sendo discutida desde 2010. A participação brasileira passará de 1,78% para 2,3% das cotas totais e não vai afetar o nível de reservas do país, segundo comunicado do Banco Central. Juntos, Brasil, Rússia, Índia e China passarão a deter 14,2% das cotas e 13,5% do poder de voto, diminuindo a hegemonia decisória americana e europeia na instituição. A África do Sul não aumentará cotas de participação, mas será beneficiada indiretamente.
Com a reforma, todos os 188 membros do FMI vão aumentar suas cotas de recursos para cerca de 477 bilhões de direitos especiais de saque, tecnicamente conhecidos como moeda do Fundo, que passaram de US$ 238,5 bilhões para estes US$ 477 bilhões. O aumento é visto como uma vitória dos países em desenvolvimento e foi fruto de intensas pressões nos últimos 4 anos dos Governos dos BRICS. Em diversas ocasiões, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, criticou a demora na concessão do aumento das participações. O adiamento da decisão, segundo Lavrov, ocorria porque o Congresso dos EUA não queria ratificar o acordo firmado em Seul em 2010.
O professor de Política Econômica Internacional da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Marcos Cordeiro Pires é um dos especialistas que veem motivos para comemoração. Segundo ele, o anúncio é um avanço porque quando o FMI foi criado no âmbito do Acordo de Bretton Woods, em 1944, ele refletia o mundo do pós-guerra e um mundo ainda pós-colonial.
“A hegemonia europeia e norte-americana naquele fórum representava o poder que existia à época”, diz Pires. “Mais de 70 anos após a assinatura do acordo de Breton Woods, a economia mundial se alterou, o peso dos países aumentou. Mais da metade do comércio internacional é feita por países emergentes como a Índia e a China, que praticamente não tinham peso nenhum no comércio internacional. A reforma que foi prometida em Seul em 2010 finalmente saiu, e ela vai refletir um pouco melhor a nova distribuição geográfica do poder econômico mundial. Isso para o Brasil e os BRICS é uma ótima notícia.”
Pires diz que o aumento de participação das economias dos países emergentes é uma conquista feita a duras penas:
“Num artigo recente que escrevi, cito um documento preparado por assessores do Congresso norte-americano explicando que a reforma tal qual foi prometida em Seul significava uma perda de poder relativo para as economias ocidentais. O problema é que o Congresso norte-americano não tem como tapar o sol com as mãos. A realidade foi alterada quando os países BRICS decidiram criar três instituições que efetivamente mudaram as regras do jogo internacional. A primeira é o Novo Banco de Desenvolvimento, que tem por objetivo criar uma política de investimento em infraestrutura que o Banco Mundial, controlado pelos americanos e europeus, se recusava a fazer.”
Segundo o professor da Unesc, uma segunda medida importante foi a criação do Acordo de Contingência de Reservas que permite, na iminência de uma crise monetária entre os países BRICS, que eles possam se socorrer mutuamente, utilizando moedas próprias.
“Uma terceira iniciativa com maior envergadura, pelo tamanho do projeto, foi a criação do Banco de Investimento em Infraestrutura da Ásia, que tem a China como primeiro sócio, seguida pela Rússia e pela Índia. O Brasil também está entre os 10 primeiros sócios.”
Marcos Cordeiro Pires diz que, quando os americanos bloquearam a iniciativa de criação desses bancos, eles tentaram parar o crescimento da influência dos países BRICS, que não desanimaram, criando essas instituições, o que levou os americanos a não ceder apenas na questão da reforma, mas também de incluir a moeda chinesa, o remimbi, como moeda de reserva na cesta das moedas com direito especial de saque do Fundo.
“São modificações que tendem, no médio prazo, a mudar completamente a característica do financiamento aos países em desenvolvimento. Olhando historicamente, desde a Holanda, passando pela hegemonia britânica e agora a norte-americana, o controle sobre as finanças mundiais é tão importante quanto a questão do poderio bélico. O que implica quebrar essa hegemonia dos países ocidentais? É os países em desenvolvimento poderem criar a sua própria agenda e organizar esforços para ampliar investimentos em infraestrutura e ter um novo perfil de financiamento menos predatório do que temos hoje em dia.”