O partido venceu as eleições legislativas de outubro passado mas não conseguiu formar governo. Por isso, teve que ceder o poder a uma aliança de quatro partidos de esquerda, que estão agora à frente dos destinos do país. Os sociais-democratas realizam desde sexta-feira o seu 26º congresso em Espinho, norte do país.
O PSD, que é conhecido por não ser social-democrata mas sim de tendência liberal, passou os últimos meses por um período que os próprios militantes apelidam de “traumatizante”, ou seja, a passagem de uma situação em que detinha o poder (e se preparava para lá continuar) para outra em que tem que ser oposição.
Os sociais-democratas têm estado, pois, a reflectir e a escolher uma nova estratégia para esta sua nova qualidade.
O PSD chamou à aliança entre socialistas e comunistas de “geringonça”, por causa da previsível incapacidade de funcionar da nova aliança. No entanto, as previsões sobre tal incapacidade parecem não estar a realizar-se.
No discurso de inauguração na sexta-feira (1), o presidente do partido e antigo primeiro-ministro, Pedro passos Coelho, reconheceu isso mesmo sobre os seus opositores:
"Este governo tem, portanto, não só consistência no Parlamento, como tem uma maioria com identidade. (…) Esta maioria tem vindo a ganhar consistência, devemos reconhecê-lo — o Partido Comunista, o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista podem aos olhos de muitos constituir uma maioria um pouco estranha, mas não há dúvida que se tem vindo a revelar uma maioria consistente", afirmou o presidente social-democrata.
Muitos analistas e políticos acusam o PSD de ter abandonado os princípios da social-democracia e abarcado a ideologia liberal. O seu líder contrapõe:
“Continuamos a ser um partido com uma profunda preocupação de respeitar a liberdade, a dignidade da pessoa. Procurar que os princípios de igualdade se traduzam sobretudo igualdade de oportunidades à partida, que permita às pessoas independentemente da sua origem socioeconómica, cultural, da religião que professam ou não, das crenças que tenham, aceder às oportunidades e fazerem as suas escolhas numa sociedade que tem de ter maior mobilidade. Estes são os nossos princípios, defesa do Estado com regras, que não seja omnipresente, que respeite a iniciativa dos cidadãos”, disse ele, citado pelo jornal Económico.
O congresso termina hoje, domingo (3). Um dos momentos mais originais do encontro partidário foi a intervenção do eurodeputado Paulo Rangel.
Este afirmou que está na hora de Portugal deixar de ser “o país dos doutores” e “virar a página na estratificação social e na estrutura elitista e aristocrática da sociedade portuguesa”. O partido deve fazer da mobilidade social a sua “grande bandeira para os próximos anos”, disse ele, citado pelo jornal Público.
“Porque acredito profundamente na mobilidade social como a grande bandeira do PSD para os próximos anos, porque hoje se cumprem 40 anos sobre a aprovação da Constituição, ouso aqui fazer uma proposta socialmente fracturante, uma proposta de rutura e de inovação social, uma proposta que vira uma página na estratificação social e na estrutura elitista e aristocrática da sociedade portuguesa.”, disse.
“Por que razão, ao fim de quarenta anos de democracia – e ao contrário de tantos outros países do nosso espaço, – nós continuámos a diferenciar as pessoas no tratamento entre os que são doutores, engenheiros e arquitectos e os restantes? Não terá chegado o tempo, de ao menos, nos documentos oficiais abolirmos esta diferença entre portugueses com título e portugueses sem título?”
“Arrisco esta proposta com plena consciência de que as mentalidades e as culturas não se mudam por decreto e que anda aqui – à volta dos títulos, dos doutores dos mestres e dos engenheiros – muita ilusão de mobilidade social. Mas creio que já estamos maduros para fazer essa reforma”, disse ele.
A esquerda “nunca foi capaz de romper com esta espécie de 'aristocracia cultural' ou nobreza de toga que empesta a sociedade portuguesa (…) Faço este desafio aos deputados do PSD como medida simbólica, mas expressiva, que, nos quarenta anos da Constituição, ao menos no que respeita aos documentos e actos públicos, que se decrete a abolição do tratamento com base na discriminação universitária”.
“Este é um passo simbólico que deve ser um desígnio que temos de construir”, defendeu, acrescentando que “Portugal continua a viver nesse país maravilhoso, que é o país dos doutores”.