Ao receber do Governo de Minas o Grande Colar (homenagem máxima do Estado), Mujica afirmou que não se pode consertar a crise em um país sem conciliar o capital com o trabalho.
“É uma ilusão achar que a Presidente Dilma seria responsável pela retração econômica, quando, na verdade, crises fazem parte do capitalismo e, por isso, são sistêmicas.”
O professor de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília (UCB) Creomar de Souza vê a questão com uma abrangência mais ampla, fruto de um confronto de narrativas.
“Há uma narrativa de um determinado grupo político brasileiro que entende que os problemas fundamentais da crise política e econômica estão diretamente vinculados à presidente Dilma Rousseff e um outro grupo que começa a se articular nacional e internacionalmente, e do qual o ex-presidente Mujica faz parte, que tem um olhar diferenciado e tenta vender o argumento de que a crise tem elementos que vão além da capacidade da presidente de resolvê-la e que, por isso, uma simples troca da presidência não resolveria os problemas.”
Segundo Souza, os elementos da crise são característicos tanto de um modelo equivocado de desenvolvimento do Brasil quanto de outros advindos da própria conjuntura internacional, além daqueles relacionados aos equívocos realizados pela presidência na gestão econômica.
“Todos os elementos criam um caldo de cultura que nesse exato momento têm colocado a presidente Rousseff numa posição defensiva, tendo em vista a hostilidade que o Congresso tem para com ela. Do ponto de vista econômico isso tem colocado o Brasil numa posição de não crescimento, de aumento de desemprego e pressão inflacionária.”
Para o professor da UCB, a classe política é, em grande parte, responsável pelo agravamento dos problemas.
“A parte mais perversa é o fato de que, como a classe política está divorciada da sociedade – todos estão tão preocupados com a posse do poder que nem estão preocupados de fato em quais são as demandas da sociedade nesse exato momento – isso faz com que principalmente os mais pobres sejam as maiores vítimas desse equívoco.”
Souza observa que o desencanto popular com a classe política é um risco para as próximas eleições.
“Os números de abstenção e anulação de votos têm crescido de maneira paulatina e consistente por uma série de elementos: um porque a Justiça eleitoral tem uma cultura de anistia e o outro é o desalento. O brasileiro tem o sentimento de que não vale a pena participar da política, discutir política. Esse sentimento, que é equivocado, tem dois elementos de responsabilização: o cultural, que só se combate no longo prazo – o brasileiro não é acostumado a pensar política até pelos ranços autoritários que fazem parte da nossa história – e de outro uma classe política que não conseguiu se conscientizar nesse Brasil democrático de que ela precisava se renovar em termos mentais e de quadros. A estrutura político-partidária brasileira é muito rígida em termos de dar permanência no poder de determinados grupos que ali se encastelam e só se preocupam com a próxima eleição e com os benefícios daí derivados."