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Acordo ortográfico volta a dividir Brasil e Portugal depois de sete anos

ENTREVISTA COM PROF EVANILDO BECHARA 2 DE 19 05 16
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Depois de firmarem um consenso sobre unificação da língua escrita, após anos de polêmica, Portugal volta a se desentender com o Brasil em relação ao Acordo Ortográfico assinado em 2009, em vigor em Portugal em maio do ano passado e no Brasil desde 1º de janeiro deste ano.

A Associação Nacional de Professores de Portugal e o movimento Cidadãos contra o Acordo Ortográfico entraram na Justiça portuguesa pedindo a revisão das normas. O acordo prevê mudanças como o fim do trema e novas regras para o uso do hífen e dos acentos diferenciais, entre outras mudanças. O Brasil foi um dos países que assinaram o tratado ao lado de nações africanas que têm o português como idioma oficial: Cabo Verde, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

O objetivo é padronizar a língua, facilitar o intercâmbio cultural e científico entre os países e ampliar a divulgação do idioma e da literatura em língua portuguesa, já que os livros passam a ser publicados sob as novas regras, sem diferenças de vocabulários entre os países. De acordo com o Ministério da Educação, o acordo alterou 0,8% dos vocábulos da língua portuguesa no Brasil e 1,3% em Portugal. Entre as principais mudanças, está a ampliação do alfabeto oficial para 26 letras, com o acréscimo do k, w e y. As letras já são usadas em várias palavras do idioma, como nomes indígenas e abreviações de medidas, mas estavam fora do vocábulo oficial. 

Considerado um dos maiores especialistas da língua portuguesa em todo o mundo, o filólogo e gramático Evanildo Bechara lamenta o questionamento apresentado agora pelos portugueses. Bechara — membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa, além de professor universitário — concorda com o fato de que toda mudança nem sempre é bem recebida, na medida em sempre há reclamações de pessoas acostumadas com hábitos que vão ser alterados, entre eles os de se escrever numa nova ortografia. 

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"Uma reforma ortográfica, porém, nunca é para uma geração que já escreve, mas uma vantagem de ordem pedagógica para as crianças que vão aprender a escrever. Um grande escritor português, que era Fernando Pessoa, dizia que você tinha duas maneiras de escrever: uma de uso interno para os amigos, onde se podia usar a ortografia que você comum a voc e outra, escrevendo textos para a comunidade, que teriam que ser escritos na ortografia oficial."

Bechara lembra que desde muito tempo Brasil e Portugal têm se reunido para resolver essas diferenças. Segundo ele, as propostas começaram a partir de 1911, quando Portugal fez uma pequena reforma para que o Diário Oficial e os livros didáticos tivessem uma só ortografia. De lá para cá, as duas Academias de Letras se reuniram algumas vezes, mas nunca chegaram a um denominador comum. Até bem pouco tempo, o Brasil ficou com o sistema de 1943, e Portugal com o de 1945. 

"O Brasil ficou com o de 1943, porque era muito mais próximo dos hábitos brasileiros e os portugueses ficaram com o de 1945, porque esse sistema estava mais próximos dos hábitos lusitanos."

Seja como for, tanto em Portugal quanto no Brasil, professores, acadêmicos, escritores sempre se esforçaram para que nossa ortografia fosse comum aos dois países e depois de 1975 aos países africanos que conseguiram suas independências políticas e que são têm expressão oficial portuguesa. Dessas tentativas saiu uma que se aproxima muito dos desejos dos dois países que é o acordo de 1990. 

"Esses primeiros passos começaram no Brasil em 1986 e em Portugal em 1990, mas esse acordo é muito mais português do que brasileiro. Parece que os brasileiros são muitos mais levados a aceitar mudanças ortográficas do que os portugueses, que são mais tradicionais e se consideram donos da língua. Enquanto o Brasil teve que ceder em vários procedimentos, os portugueses só tiveram a obrigação de atender ao acordo de eliminar as consoantes mudas que na ortografia portuguesa servem para indicar em alguns vocábulos que o timbre da vogal anterior é aberto."

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Bechara dá como exemplo a pronúncia da palavra "diretor", com o ''e'' fechado no caso brasileiro e aberto com os portugueses. 

"Para mostrar em Portugal que este "e" é aberto, adotaram o artifício ortográfico de colocar uma consoante muda que existia em latim como sinal de que o timbre da vogal é aberto e não fechado. Você usar uma consoante que você não pronuncia para indicar que o timbre de uma vogal é aberta e não fechada é não levar em conta a memória que têm todos os acadêmicos, os falantes da sua língua. A presença dessa consoante muda só vai atrapalhar o aluno. Você vai pronunciar diretor, mas se pronunciar diretor em Portugal tem que escrever com "c" (director). O aluno que está aprendendo a escrever não entende porque aparece um "c" se ele não é pronunciado."

Segundo Bechara, essa é uma discussão inócua porque Portugal já deliberou taxativamente que há de conviver com essa ortografia.

"Isso é choro de quem já perdeu a oportunidade de defender uma ortografia e, principalmente, é coisa injusta para as gerações futuras e para os jovens portugueses que vão começar a escrever com uma consoante que eles não ouvem, mas que tem que ser escrita por uma deliberação desastrosa."

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