Na terça-feira, 24, Jamil Chade depôs perante a CPI da Máfia do Futebol – a Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados que apura as denúncias de corrupção e enriquecimento ilícito na prática desse esporte, envolvendo destacadas personalidades, dirigentes e ex-dirigentes de entidades futebolísticas. Na quarta-feira, 25, Chade participa do 6.º Encontro Anticorrupção, organizado em São Paulo por um instituto sediado nos Estados Unidos.
No curso de suas apurações, Jamil Chade apontou, por exemplo, que o Deputado Eduardo Cunha, afastado pelo Supremo Tribunal Federal da Presidência da Câmara e com seu mandato suspenso, possui conta na Suíça. A informação teria sido confirmada pelos promotores suíços após minucioso levantamento nas instituições financeiras do país.
Sobre o Seminário Anticorrupção, Chade explica ser um evento bem grande em termos de temas tratados:
“Afinal de contas, a corrupção permeia todos os lados da sociedade, todas as esferas, e não seria diferente quando nós tratamos de grandes eventos esportivos, tanto a Copa do Mundo quanto os Jogos Olímpicos. A situação, tanto desses grandes eventos como do próprio futebol brasileiro, por exemplo, revela que a corrupção, de certa forma, entra sempre que a fiscalização não existe. Portanto, minha participação é justamente para tentar debater um pouco como é que esses dois setores, tanto os grandes eventos esportivos como o esporte em si, chegaram à dimensão que hoje contam em termos de corrupção e, claro, quais os possíveis mecanismos para começar a controlar isso.”
Sputnik: Neste Seminário, você está revelando de que forma esses depósitos de forma ilícita chegaram aos bancos suíços?
Jamil Chade: Exatamente. E principalmente como é feita a estrutura para o pagamento desse dinheiro ilícito, basicamente quem é que ganha – de forma ilícita, é claro – quando um garoto compra uma camisa de futebol, quem é que ganha quando assistimos a um jogo de futebol ou quando um estádio é construído. Aparentemente, um tema que alguém poderia dizer que só interessa a quem de fato gosta de futebol, mas não é verdade, pois todos, no final das contas, pagam por um estádio que foi feito com recursos públicos e que tem muitas vezes um fim privado. Minha participação é justamente para mostrar como funciona esse esquema e tentar identificar o dinheiro, de onde e para onde ele vai e quem se beneficia com ele no final desse processo.
JC: O que eu fiz hoje foi apresentar os contratos da CBF, os contratos confidenciais que mostram um pedaço importante, mas apenas um pedaço, do que é a estrutura hoje do futebol brasileiro em termos de acordos, de contratos de marketing e, acima de tudo, diante da falta de total transparência, o que é feito exatamente da Seleção Brasileira. Esse foi um dos aspectos. Esses contratos foram apresentados hoje para a Comissão da Câmara dos Deputados, mas também outro documento do Departamento de Justiça americano, documento enviado aos procuradores suíços e identificando de maneira bastante clara três contas de Ricardo Teixeira, o ex-presidente da CBF, três contas que ele teria movimentado ou de que teria sido pelo menos o beneficiário e com depósitos em que a suspeita é de que eles viriam de atividades ilegais.
S: Somente na gestão do Ricardo Teixeira ou também na de José Maria Marin?
JC: Essas contas se referem especificamente a Ricardo Teixeira, mas, de fato, a estrutura da CBF e esses contratos que apresentei permearam também o governo de José Maria Marin, porque eles continuaram a ser cumpridos pelo próprio José Maria Marin. Um contrato estabelece, por exemplo, as condições pelas quais um time joga contra a Seleção Brasileira, e fica muito claro que o que interessa em um jogo amistoso do Brasil não é a preparação esportiva da Seleção, mas, principalmente, o valor de marketing que vai ter aquele jogo. Isso o contrato deixa muito claro em todos os seus aspectos.
S: Quer dizer que em volta do mundo do futebol, que seria um mundo de diversão, existe todo outro mundo?
JC: Exatamente isso. E talvez a parte mais dramática é que essa estrutura se aproveita de um sentimento legítimo, que é o sentimento do torcedor que vai ao estádio, que torce, que gosta do seu time, que gosta da sua seleção, mas não sabe que ele está financiando basicamente uma atividade às vezes ilegal, que transfere o dinheiro para o bolso de um grupo muito pequeno de dirigentes. Portanto, de certa forma, um bem público, que é o futebol, sequestrado por um grupo privado bastante restrito.
JC: Foram vários meses, porque eu percebia que procuradores brasileiros faziam viagens com muita frequência à Suíça, faziam viagens totalmente sigilosas, não diziam nem quem eram as pessoas com as quais eles se encontravam, e, de fato, o que eles estavam fazendo era apurar e tomar conhecimento de centenas e centenas de páginas de extratos bancários de muitas pessoas que hoje, sabemos, estão na Lava Jato. Uma das pessoas era Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara dos Deputados. Em certo momento, esses documentos, essa constatação foi confirmada pelo Ministério Público da Suíça, apontando que o inquérito tinha sido aberto naquele país sobre lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Tanto o Eduardo Cunha quanto outros passaram a fazer parte do que eu vejo, e muitos na Suíça veem, como o maior processo de investigação de lavagem de dinheiro daquele país. Não foi nem o dinheiro do Kadafi, não foi nem o dinheiro do Mubarak, nem o do Carlos Menem. O maior escândalo investigado até hoje na Suíça foi a Lava Jato. Mais de mil contas estão bloqueadas. Dessas mil contas, algumas são de Eduardo Cunha, que nega, diz que é um trust. Eu tenho confirmações, por escrito, do Ministério Público suíço, que um trust, ou não, é basicamente a mesma coisa. Afinal, é o beneficiário que se aproveita do dinheiro, e o beneficiário é o Eduardo Cunha.