A aprovação do projeto, por 22 votos a cinco, revela que a matéria deve passar com facilidade em plenário, embora ainda não esteja definida uma data para a nova votação. Na sessão da última quinta-feira, 1°, houve debates acalorados entre os deputados da base do governo interino e os agora da oposição. Para os favoráveis ao projeto, a proposta vai permitir maior aporte de investimentos de petroleiras internacionais, aumentando a produção, empregos e recolhimento de impostos. Para os contrários a proposta, a retirada da Petrobras como operadora exclusiva dessas áreas será um golpe mortal para a estatal, que desenvolveu toda uma tecnologia pioneira de prospecção e exploração. Isso, segundo os críticos, seria o primeiro passo para preparar a privatização da empresa.
O deputado José Carlos Aleluia, que acrescentou algumas emendas ao projeto original de Serra, defende o projeto afirmando que a proposta dará o tempo necessário para a Petrobras se recuperar da crise financeira que atravessa. Há tempos envolvida em denúncias de corrupção na antiga em administrações, a estatal registrou prejuízo de quase R$ 35 bilhões no ano passado e tem dificuldade de caixa para fazer novos investimentos.
"Precisamos fazer com que a Petrobras se recupere. A situação é muito crítica. Com a nova lei, ela passará a ter preferência e não mais obrigatoriedade de investir onde ela não quiser. A produção partilhada com outras petrolíferas vai ser administrada por uma empresa criada pelo governo passado, a PPSA. Os investimentos e os recursos para o Rio de Janeiro vão aumentar, assim como os empregos no país."
Durante os debates, o deputado Glauber Braga, do PSOL-RJ, discordou de Aleluia e afirmou que o projeto é o primeiro passo para a venda da estatal.
"O que a gente está vendo é o início da privatização da Petrobras, e o deputado Aleluia sabe muito bem disso."
A lei que criou o regime de partilha no pré-sal exige a Petrobras como participante obrigatória e operadora em 30% de qualquer bloco contratado sob esse regime. O projeto muda essa configuração. Pela proposta atual, o governo oferece à Petrobras a preferência para ser operadora dos blocos. Caso ela aceite, terá participação mínima de 30% no consórcio vencedor da licitação. Se dispensar, o bloco terá outro operador.
Um dos mais ferrenhos opositores da proposta, o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS) diz que o pré-sal, descoberto pela capacidade de pesquisa e de trabalho da engenharia brasileira, é um dos negócios mais lucrativos do planeta, daí o interesse e a pressão exercida pelas empresas estrangeiras. Segundo ele, a exploração deve continuar nas mãos da Petrobras para que os recursos possam ser destinados à saúde, à educação e ao desenvolvimento do país.
Fontana diz que aqueles que querem acelerar a exploração predatória do pré-sal não explicam porque as empresas estrangeiras não querem entrar nas demais áreas de concessão. Essas empresas, segundo ele, já são sócias da Petrobras, como no Campo de Libra, mas não são operadoras. Estrategicamente isso é importante porque cabe à empresa operadora definir a política de compras, algo fundamental para o desenvolvimento do setor industrial. O deputado lembra que todos os países do mundo protegem suas capacidades de compra, inclusive em outros setores.
"A cantilena ultraliberal de que quanto mais abertos forem os negócios estratégicos brasileiros mais haverá investimento, desenvolvimento e emprego não se confirma na prática. Da outra vez em que abriram a indústria naval, quando a Petrobras não exigia a obrigatoriedade de conteúdo nacional na encomenda de navios, a indústria naval brasileira foi quebrada e se perderam quase 50 mil empregos."
A favor ou contra, todos, no entanto, concordam que as desobertas de petróleo e gás no pré-sal estão entre as mais importantes dos últimos tempos, não só devido ao gigantescos volumes, como também pela excelência da qualidade do óleo, leve, de alto valor comercial. A produção no pré-sal, que começou com 41 mil barris diários em 2010, chegou a 1 milhão de barris/dia este ano. Para se ter uma ideia do potencial dessas reservas e da velocidade alcançada na produção, basta lembrar que a Petrobras demorou 45 anos desde sua criação para atingir a marca de 1 milhão de barris produzidos.
O campo mais produtivo, o de Lula, na Bacia de Santos, tem um fluxo médio diário de 36 mil barris/dia. O tempo médio para construir um poço offshore na Bacia de Santos era de 310 dias até 2010. Com os avanços na pesquisa e a introdução de novas tecnologias pela Petrobras, contudo, esse prazo baixou para 89 dias este ano. Grandes conquistas também se verificaram no campo de aperfeiçoamento profissional. Iniciativas como o Programa Nacional de Petróleo e Mobilização da Indústria de Gás Natural (Promin) já treinaram mais de 88 mil profissionais e outros 200 mil deverão ser capacitados em nível médio e superior nos próximos anos.
Para alguns especialistas no Brasil, o que está em jogo não é apenas a votação de uma lei que restringe a participação da Petrobras na produção desses campos. O vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), Fernando Siqueira, diz que o que se deve discutir é o modelo de desenvolvimento pretendido pelo Brasil. Segundo ele, mesmo com todo o esforço mundial para se desenvolver matrizes energéticas alternativas, não há outra opção economicamente viável nos próximos 30 anos que não os combustíveis fósseis.
"Temos um tesouro em nossa costa que atrai a cobiça de todo o mundo. O que estão fazendo (com essa votação) é tirar a oportunidade de o Brasil usufruir desses recursos em prol do desenvolvimento. A Noruega, até o início dos anos 70, era um dos países mais pobres da Europa. Com a descoberta e exploração de grandes jazidas, eles constituíram um fundo que permitiu levar o país à condição de maior prosperidade na Europa. Hoje a Noruega tem o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo graças ao petróleo e à sabedoria da aplicação social desses recursos."
O coordenador de Estudos da Área de Petróleo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), José Mauro de Moraes, tem outro enfoque sobre o assunto. Para Moraes, o conhecimento tecnológico adquirido pela Petrobras ao longo de todos esses anos é um patrimônio que não corre risco de se perder com a chegada de novos parceiros.
"A exploração do pré-sal exige muita especialização, não só do ponto de vista humano, como também material. Estamos falando de operações submarinas altamente complexas a profundidades de 5 mil metros, onde a pressão e os fatores de risco são extremamente altos. A chegada de novas empresas em sociedade com a Petrobras não vai significar uma transferência de tecnologia para essas empresas. É importante somar, mesmo porque neste momento a Petrobras não tem, financeiramente, como arcar sozinha com esses custos."
Estudos da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) revelam que a chegada de novas empresas poderá viabilizar investimentos de USS$ 420 bilhões até 2030, com a geração de mais de um milhão de empregos, o que se torna imprescindível para a retomada do desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Em nota oficial enviada à Sputnik Brasil, o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) afirma que, vencidos pequenos entraves, o Brasil tem grande potencial geológico na área de petróleo e gás com boas perspectivas de leilões de sucesso capazes de atrair grande volume de recursos.
"Dentre esses obstáculos, estão a definição de regras para a unitização — quando uma descoberta de petróleo e gás perpassa os limites do campo e a acumulação avança para áreas de outra empresa ou da União —, a aprovação na Câmara do projeto de lei que acaba com a figura do operador único, a extensão do Repetro — regime fiscal do setor que isenta de tributos os investimentos em produtos e serviços — e a regulamentação da cláusula de waiver (perdão) pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) — o mecanismo permite o não cumprimento da meta de conteúdo local em casos de ausência do produto ou serviço no mercado brasileiro, por exemplo, ou outro motivo de força maior. Somente com o leilão de áreas unitizáveis o país poderá receber investimentos de US$ 120 bilhões."
O IBP vê como uma grande oportunidade para o setor o leilão já anunciado no próximo ano, que terá ainda mais atratividade com o fim do operador único.
"Sem essa limitação, mais empresas poderão operar áreas de exploração e produção no pré-sal, o que agregará empregos e novas tecnologias ao país", conclui a nota.
O QUE É O PRÉ-SAL
O pré-sal é uma sequência de rochas sedimentares formadas há 150 milhões de anos quando da separação de um grande continente, o Gondwana, que unia os atuais continentes africano e americano, o que deu origem a grandes depressões ocupadas pelo mar. Durante milhões de anos, as rochas que dariam origem ao petróleo foram se depositando ali. Nessa imensa área do Oceano Atlântico foi aos poucos surgindo uma camada de sal que localiza a dois 2 mil metros da superfície do mar. Com o passar dos anos, processos termoquímicos transformaram essas rochas em hidrocarbonetos (petróleo e gás).
No Brasil, a camada do pré-sal se estende por uma faixa de 800 quilômetros de comprimento e 200 quilômetros de largura entre os estados de Santa Catarina e Espírito Santo. Os maiores depósitos se concentram na Região Sudeste, mais especificamente na Bacia de Santos, que engloba parte de São Paulo, a totalidade do Rio de Janeiro e parte do Espírito Santo, onde se concentram 58,2% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todos os bens e serviços produzidos no país. A área total de 149 mil quilômetros quadrados equivale a quase três vezes e meia o Estado do Rio de Janeiro.
Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, o professor de Oceanografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) David Zee lembra que há cinco, seis anos, o Brasil começou a perceber que tinha grandes reservas de petróleo em algumas localidades mais profundas na base da plataforma continental. Hoje, mais de 90% do óleo brasileiro estão no mar, e a exploração dessa camada a quase dois mil metros de profundidade equivale a 200 vezes a pressão atmosférica da superfície.
"São grandes pressões e temperaturas completamente diversas ao que a gente encontra na superfície. Praticamente estamos fazendo uma exploração em outro planeta. São condições extremamente agressivas e anômalas. É preciso desenvolver tecnologias para trazer esse óleo de grandes profundidades. Além da camada de água de dois mil metros, temos uma outra camada de dois, três mil metros de solo para atingir a camada do pré-sal. Esse sal foi aglutinado em mares há muito tempo, quando ele se condensou, formando os hidrocarbonetos."
Zee lembra outra dificuldade: os campos estão a cerca de 200 quilômetros da costa brasileira. A tecnologia é bastante complexa, por isso é importante o trabalho desenvolvido pela Petrobras no Centro de Pesquisa (Cenpes), na Ilha do Fundão.
"Tudo Isso encarece o barril de petróleo, e temos um problema sério hoje em dia, porque o preço está depreciado — o que valia antes US$ 130 por barril hoje vale menos de US$ 40. Como o pré-sal é explorado em situações extraordinárias, o custo também é maior. Por outro lado, é preciso ver também que é uma situação estratégica para o país. Mesmo em tempos de vacas magras, a pesquisa tem que continuar para, quando houver necessidade e os preços se tornarem mais competitivos, haver possibilidade de se fazer essa exploração."