O presidente Michel Temer disse que a prisão dos dois ex-governadores é um problema localizado e que o país vive "um momento de limpeza", enquanto o presidente nacional do partido, Romero Jucá (PMDB-RR), afirmou esperar que seja dado todo o direito de defesa a Cabral. Paulo Melo (PMDB-RJ), ex-presidente da Assembleia Legislativa (Alerj), considerou a prisão de Cabral "desnecessária", e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), se esquivou de comentar as prisões.
Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, Rafael Moura, doutorando em Ciência Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos, é um dos que concordam que os dois episódios terão desdobramentos para o governo federal.
"A prisão dos dois, embora por motivos diferentes, revela uma forma de comportamento do judiciário que tem sido reproduzido ao longo de toda a Lava Jato, que é um punitivismo sensacionalista — vale lembrar que a prisão de ambos não tem caráter definitivo, são prisões preventivas visando a forçar eventuais delações premiadas. As declarações tanto do presidente Michel Temer quanto as de Romero Jucá são basicamente protocolares. Devem ter acendido um sinal amarelo, até quase vermelho, em função de que esse modo de captura do Estado por interesses privados não era algo circunscrito ao Rio de Janeiro. Assim como Sérgio Cabral tinha esquema em nosso estado, esses tipos de grandes contratos também existem em âmbito nacional. A priori, essa investigação vai se alastrar para o âmbito federal, e o presidente Temer deve estar receoso em relação aos desdobramentos."
Com relação ao futuro do PMDB no estado, onde está no comando há décadas, Moura prevê um abalo da hegemonia do partido.
"A oposição já conseguiu mobilizar votos suficientes na Assembleia para abertura de duas CPIs (uma sobre a atuação do próprio partido no estado e outra sobre a reforma do Maracanã), mas não posso garantir que o fim da hegemonia do partido se reflita necessariamente em uma mudança de práticas. O problema de se culpabilizar a questão da corrupção em apenas um punhado de indivíduos é que a gente esquece que esse é um problema estrutural ligado a outros fatores, como, por exemplo, à própria lógica de financiamento privado de campanhas que deixam a grande maioria dos parlamentares eleitos reféns de interesses corporativos que acabam bancando a política no Brasil."
Ramon Carrera, diretor do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, é outra voz que acredita ser real o risco de um efeito boliche na base aliada do governo. Segundo ele, Cabral é o representante do PMDB no Rio de Janeiro, e o partido é um dos pilares da base governista.
"A gente assiste hoje a uma crise de moralidade no país e a uma tentativa das instituições autônomas de darem uma resposta à altura para a sociedade. A falência do Estado do Rio de Janeiro foi uma coisa orquestrada por sucessivas administrações criminosas que se locupletaram do dinheiro público. Vemos aí um rombo de pelo menos R$ 220 milhões, dinheiro desviado dos cofres públicos. Essas prisões refletem o que está acontecendo."
Carrera diz que Pezão, vice e sucessor de Cabral, não tinha como ignorar as irregularidades cometidas pela gestão anterior.
"Agora ele envia para a Alerj um pacote para violentar e vitimizar os servidores e a população em que acaba com vários projetos sociais importantes como o Bilhete Único, o Renda Melhor (que tira pessoas da linha de pobreza), quer prejudicar os servidores com um confisco no salário de 30% para aposentados e pensionistas, que já estão há dois anos sem reposição salarial. O governo também quer acabar com os triênios — aumento de 5% a cada três anos para compensar o fato de que a categoria não tem direito ao FGTS — e ainda quer aumentar a contribuição previdenciária."
O diretor do sindicato lembra que o próprio Garotinho, em sua gestão, aumentou a contribuição de 9% — dos quais 2% para o Instituto de Aposentadoria e Pensão do Estado do Rio de Janeiro (IPERJ) — para 11% e agora o atual governo quer elevar esse percentual para 14%. Carrera atribui boa parte da falência do Rio de Janeiro às isenções fiscais que foram concedidas e que começaram fortemente com Sérgio Cabral.
"Foram isenções para termas, joalherias, salão de beleza e até isenções fantasmas da ordem de R$ 3,8 bilhões, fato já denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ)). Esse processo que estourou agora com a prisão do Cabral é do ano passado. Foi uma coisa muito bem trabalhada, com provas robustas. Só foi inadmissível que o MP-RJ até então tenha ficado de braços cruzados. A coisa só está andando porque o Ministério Público Federal (MPF), em parceria com a Polícia Federal, resolveram colocar um pouco de moralidade aqui no estado."
O sindicalista discorda da solução aventada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de o estado dar garantia de produção futura de petróleo como forma de levantar recursos no mercado financeiro.
"A questão dos royalties é uma grande falácia. Na verdade, o que houve de diminuição de receitas foi em torno de R$ 1 bilhão. Com todo o roubo que houve, a questão dos royalties é até minimizada. Várias empresas entraram em falência por causa da questão da Petrobras, vários estaleiros fecharam as portas, demitiram cerca de 4 mil trabalhadores. O que houve com a Petrobras foi o roubo desmedido que aconteceu na empresa. É preciso ressaltar também a questão do Comperj (Polo Petroquímico do Rio de Janeiro), onde o Sérgio Cabral também foi denunciado. Aquilo está abandonado. É roubo em cima de roubo, é superfaturamento em cima de superfaturamento, aditamento de contrato em cima de aditamento. Não há dinheiro que chegue."