"Meu governo termina. Eu me esforcei para reduzir o número dos assentos no parlamento, mas afinal perdi o meu", foi com estas palavras que Renzi anunciou a sua demissão após o referendo que evidenciou a maior taxa de comparecimento na história do país. Estes 1000 dias do governo de Renzi resultaram em um fracasso, porém, o desenvolvimento ulterior da situação permanece nebuloso.
A primeira coisa para a qual Celotto chama a atenção dos leitores é uma taxa extraordinariamente elevada de comparecimento. Nenhum dos antigos referendos constitucionais provocou tal ânimo, o que é um traço de uma verdadeira democracia. O governo se esforçou muito para conduzir esta reforma, mas o povo disse "não" e o fosso atingiu 6 milhões de votos.
É também impressionante a representação de votantes por localização geográfica: no sul do país 80% dos que votaram se manifestaram contra. Se olharmos para a representação por idade, a maioria dos jovens se pronunciou contra, enquanto a parte esmagadora das pessoas de meia-idade e idosos aprovaram a iniciativa. Dos italianos que residem no exterior, e que tinham provocado muitas disputas às vésperas do referendo devido a eventuais fraudes, 65% votaram a favor, o que ainda não exclui a hipótese de falsificação.
"Deste modo, é precisa uma nova lei eleitoral, que não há, por isso posso dizer com toda a certeza que não poderemos eleger um novo governo antes que passe um ano", afirma o acadêmico.
Tal cenário pressupõe a criação de um governo com funções meramente técnicas, até pode ser Renzi de novo. O governo funcionará por um ano ou ano e meio, e neste caso as eleições serão marcadas para outubro de 2017 ou fevereiro de 2018.
"Por enquanto, é impossível prognosticar. O governo deve conseguir uma moção de confiança, ou seja, o apoio por parte do Partido Democrata, que tem 54% do apoio na Câmara dos Deputados. Em outras palavras, tem de ser um governo que seja apoiado pelo Partido Democrata, inclusive todas suas diferentes facções, e a fraqueza de Renzi significaria o reforço dos seus rivais democratas", frisa Celotto ao modelar um possível desenvolvimento da situação.
Entre os eventuais candidatos ao cargo do premiê estão o presidente do Senado Grasso, o chefe do Banco Central Cantone e o ministro da Cultura, Franceschini. O cenário "Renzi 2" também não se descarta. "De qualquer maneira, o governo precisa ter apoio político", frisa o analista.
Ao mesmo tempo, o especialista frisa que o mais importante não é a questão da ‘força' do governo, mas de uma série de reformas necessárias para a Itália — na área de impostos, burocratização, migração, desemprego, juventude, etc. E a confiança no novo governo por parte da população depende da sua capacidade de lidar com estes desafios.
Ao concluir, Celotto sublinha: há vários problemas que é indispensável resolver: normalizar as relações com Bruxelas e sair da crise financeira.
"A economia está estagnada, a dívida é enorme, é preciso agir. <…> Até 2004, todos éramos adeptos do projeto europeu, e depois viramos eurocéticos angustiados", destaca.
Giulietto Chiesa parece ser mais otimista nas suas conclusões quanto aos resultados do referendo.
O analista afirma: Renzi não partiu só. Com ele foi embora o projeto perigoso de transformar a democracia italiana em uma variante deformada do poder monocrático, ou seja, da supremacia de um só partido ou uma só pessoa. O projeto foi bloqueado por uma quantidade inesperadamente grande de votantes — 60%, porque era um projeto "destruidor", afirma Chiesa.
"Há que acrescentar que a ideia de reforma constitucional foi amplamente apoiada pela União Europeia e pelos EUA. Eles se uniram ao se disfarçarem com a diretiva JP Morgan, cujo objetivo é eliminar as constituições dos países do Sul europeu, já que elas são demasiado "socialistas". Deste modo, tudo se fazia sob o lema "o excesso de democracia prejudica o mercado", manifesta o colunista da Sputnik Itália.
O analista destaca que a tendência antieuropeia abalou a Itália após vários acontecimentos cruciais: o Brexit, o fato de políticos como Marine Le Pen ganharem popularidade na França — tudo isso são os elementos de um mesmo mecanismo.
"Deste modo, o golpe contra Renzi foi um golpe contra a União Europeia na sua atual forma e com suas regras de hoje", concluiu.
"Claro que uma das razões para tal resultado foi também a política externa da Itália, sua submissão total aos EUA e às exigências da OTAN de reforçar a confrontação com a Rússia, em particular. As sanções antirrussas fizeram com que a maioria esmagadora de empresários dissesse não à reforma, sendo que eles possuem os votos de dezenas de milhares de trabalhadores em várias áreas da indústria e agricultura que, por sua vez, ficaram prejudicados pelo embargo russo", diz Chiesa.