De acordo com o especialista independente, o efeito principal e inevitável da PEC 55 será o prejuízo aos mais pobres pelas próximas décadas. A proposta de emenda constitucional deverá ser votada pelo Senado no dia 13 de dezembro, em meio a fortes protestos.
“Se adotada, essa emenda bloqueará gastos em níveis inadequados e rapidamente decrescentes na saúde, educação e segurança social, colocando, portanto, toda uma geração futura em risco de receber uma proteção social muito abaixo dos níveis atuais”, afirmou Alston.
O relator especial, nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, recomendou ao governo garantir um debate público apropriado sobre a medida, que estime verdadeiramente seu impacto devastador sobre os segmentos mais pobres da sociedade e que identifique outras alternativas para atingir os objetivos de austeridade e ajuste fiscal.
“Uma coisa é certa”, acrescentou o especialista independente. “É completamente inapropriado congelar somente o gasto social e atar as mãos de todos os próximos governos por outras duas décadas. Se essa emenda for adotada, colocará o Brasil em uma categoria única em matéria de retrocesso social.”
O governo alega que o congelamento de gastos por 20 anos deverá aumentar a confiança de investidores, e que isso ajudaria a tirar o país da recessão. Porém, “estudos econômicos internacionais, incluindo pesquisas do Fundo Monetário internacional, mostram que a consolidação fiscal tipicamente tem efeitos de curto prazo como redução da renda, aumento do desemprego e da desigualdade de renda. E a longo prazo, não existe evidência empírica que sugira que essas medidas alcançarão os objetivos sugeridos pelo governo”, salientou o especialista independente.
A medida, por outro lado, terá um impacto severo sobre os mais pobres, segundo alertou o relator especial.
“Essa é uma medida radical, desprovida de toda nuance e compaixão”, disse ele. “Vai atingir com mais força os brasileiros mais pobres e mais vulneráveis, aumentando os níveis de desigualdade em uma sociedade já extremamente desigual e, definitivamente, assinala que para o Brasil os direitos sociais terão uma prioridade muito baixa nos próximos vinte anos.”
Alston também destacou que a PEC “evidentemente viola as obrigações do Brasil de acordo com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que o país ratificou em 1992 e que veda a adoção de ‘medidas deliberadamente regressivas’ a não ser que não exista nenhuma outra alternativa e que uma profunda consideração tenha sido feita dada de modo a garantir que as medidas adotadas sejam necessárias e proporcionais”.
O especialista apontou ainda que, nos últimos anos, o Brasil estabeleceu um impressionante sistema de proteção social voltado para a erradicação da miséria e a promoção dos direitos à educação, saúde, trabalho e segurança social.
“Essas políticas contribuíram substancialmente para reduzir os níveis de pobreza e desigualdade no país. Seria um erro histórico atrasar o relógio nesse momento,” disse ele.
O Plano Nacional de Educação exige um aumento de 37 bilhões de reais por ano para garantir uma educação de qualidade para todos os estudantes, mas a PEC pretende reduzir o gasto planejado em 47 bilhões de reais nos próximos oito anos, em um país que ainda tem mais de 3,8 milhões de crianças fora da escola.
O apelo do relator especial ao governo brasileiro também foi endossado pela relatora especial sobre o Direito à Educação, Koumbou Boly Barry.