Nesses 22 anos, passaram pela corporação 90 mil homens e foram contabilizados 14.452 feridos. Nessa contabilidade da barbárie, o percentual de baixas, contabilizando mortos e feridos, chega a 19,65% da corporação. Só em janeiro desse ano, 18 policiais foram mortos no estado. E a violência não para de crescer.
Paulo Storani, antropólogo, professor da Cândido Mendes e ex-oficial do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM, diz que o momento atual é crítico.
"Os dados são aterrorizantes, nada mais do momento que vivemos hoje no Brasil e em especialmente no Rio de Janeiro relacionado à violência urbana, e mostrando que aquilo que se faz não está sendo suficiente para conter a escalada da violência", diz o especialista.
Segundo Storani, um problema tão grave não tem uma única causa determinante. É um conjunto de ações que contribuem para a construção desse cenário. Para o especialista o aumento do número de vítimas está relacionado à prontidão da Polícia Militar em enfrentar os criminosos. A facilidade de acesso a armas de guerra e a droga como grande insumo econômico fazem com que os criminosos permaneçam ousados no enfrentamento não só da polícia como também das facções rivais, além da busca permanente de ampliação de territórios.
O ex-oficial do Bope diz que o perfil de quem se enfrenta, não é só do traficante, mas também do criminoso que nasce nas regiões onde o Estado não está presente, normalmente comunidades, e que ali são criados por uma lei própria. Storani sublinha qie grande maioria dos moradores nesses locais é de trabalhadores que disputam espaço no mercado de trabalho com toda a dificuldade. Existe uma hierarquia nas facções criminosas que é obedecida, como no acesso a cargos superiores é ditado pelo quanto violento se é e o quanto produtivo se pode ser também.
"Fomos incapazes, ao longo dos últimos 30 anos, desde a abertura política, em estabelecer políticas públicas que entendessem esse fenômeno, estabelecessem estratégias de intervir nesse processo em todos os aspectos: no médio prazo — com ações policiais, uma polícia bem treinada, remunerada e cobrada com rígidos controles externos e internos —, ações de médio e longo prazo, investindo no espaço urbano, em educação e criando uma geração que tenha o trabalho correto como opção e não o crime como uma possibilidade. Se você não investe nisso, a gente fica à mercê dessa incompetência dos governos federal, estadual e municipal", diz o antropólogo.
Na visão de Storani, hoje a PM é uma instituição adoecida pelo número de mortos e feridos e principalmente pelo número de afastados por licença médica.
"O Bope, como toda equipe de alta performance é um ponto fora da curva porque ele seleciona o melhor dentro da instituição. A maioria (da PM) faz parte das pessoas comuns, que escolhem uma profissão, querem exercer seu trabalho ao longo do dia e ao final querem voltar para suas casas. Na instituição policial militar você não consegue isso por conta do nível de exposição da instituição em razão da sua própria missão constitucional mais o nível de risco a que o policial militar é submetido na realidade do Rio de Janeiro", afirma o especialista, lembrando que existem hoje cerca de 17 mil integrantes da PM afastados por licença médica.
Além do estresse psicológico há o físico, uma vez que o policial muitas vezes é sumetido a jornadas longas sem descanso e agora também ser receber horas extras diante da situação de falência financeira do Estado.
"O que temos hoje é uma instituição cansada, em que boa parte de seus integrantes não tem condição de atuar na plenitude da capacidade física e psicológica e isso vai afetar não só a saúde do policial, como a qualidade do serviço prestado. O que não falta são trabalhos para provar isso. Muitas pessoas não sabem, mas os policiais militares são na sua maioria brasileiros, e também moradores do Rio de Janeiro, não são geneticamente modificados, não vieram de outros países desenvolvidos. É um cidadão como qualquer um com a diferença que fez um concurso público e escolheu uma profissão de alto risco", conclui.