Na França, as eleições de 2017, cujo primeiro turno se realizará em 23 de abril e uma eventual segunda volta em 7 de maio, sucedem a um período bastante conturbado do governo socialista de François Hollande, que decidiu não se recandidatar ao segundo mandato, sendo este o primeiro precedente desde o fim da 2ª Guerra Mundial.
Fenômenos dos ‘Le Pen, Trump e Farage'
Marine Le Pen, chefe do partido Frente Nacional, que tem se ascendido a uma velocidade vertiginosa ao longo do último ano, e filha de Jean-Marie Le Pen, conhecido por suas posições bem radicais, é um dos líderes da corrida, segundo a maioria de enquetes.
Acredita-se que ela tem todas as chances de passar para o 2º turno, enfrentando François Fillon, candidato dos Republicanos (partido fundado pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy), mas provavelmente sofrerá uma derrota no final. Porém, dado que nos últimos dias se tem intensificado o escândalo em torno da esposa de Fillon, que pode abalar significativamente sua popularidade, parece que já não faz sentido fazer quaisquer previsões.
Marine Le Pen é conhecida por sua retórica cética quanto a muitos assuntos sensíveis para a Europa de hoje — refugiados e migrantes, inclusive os ilegais, multiculturalismo ou a integração europeia como projeto. As declarações dela podem parecer duras e até radicais — mas, como no caso dos EUA com sua eleição de Trump, estas declarações atendem a muitos, principalmente àqueles que se mostram fartos das noções de "tolerância" e "democracia".
A plataforma da Frente Nacional se baseia na ideia de reduzir (ou até eliminar) a dependência do bloco europeu, aumentar o salário mínimo, cortar alguma parte dos impostos e introduzir novas tarifas para os produtos importados, tornando, deste modo, seu mercado mais fechado. Quanto ao setor empresarial, o partido de Le Pen aposta no apoio às pequenas e médias empresas, se afastando das grandes corporações.
Pela popularidade crescente de Le Pen, uma coisa é evidente — para muitos franceses, se torna cada vez mais importante que o partido no poder cuide da qualidade de vida dos seus cidadãos, mesmo que isso seja em detrimento dos valores da solidariedade e Europa Unida.
'Tapa na cara' para socialistas franceses
Na sequência do segundo turno das primárias da direita, muitos especialistas acabaram de anunciar uma "dupla derrota" para os socialistas. Isto pode ser explicado por dois fatores: a queda brusca do ranking de aprovação do presidente cessante e sua consequente saída da corrida e a inesperada derrota do ex-primeiro-ministro Manuel Valls, com quem contava a maior parte da elite socialista francesa.
O ex-chefe do governo francês perdeu para Benoît Hamon, representante da ala esquerda dentro do Partido Socialista, muitas vezes criticado por suas ideias consideradas utópicas. Uma delas é a introdução de um "rendimento universal" para todos, ou seja, um subsídio no valor de 750 euros por mês para todos os maiores com renda baixa, jovens (até 25 anos de idade), agricultores e fundadores de "startups".
Não vale dizer que é quase impossível financiar tais projetos com o orçamento de Estado sem o abalar significativamente, dado que o país já está em uma situação financeira desfavorável.
Deste modo, os socialistas estão, de fato, condenados ao fracasso nestas eleições, em grande parte por terem sido desacreditados devido às políticas impopulares do governo cessante e por seu candidato ser bem pouco competitivo em relação aos outros presidenciáveis de esquerda.
Mão de Kremlin — realidade ou ficção?
Parece que recentemente já virou tradição procurar por sinais de ingerência de Moscou em todos os cenários políticos, até nas eleições internas dos outros países.
Quanto à França, o tema russo tem estado em destaque ao longo das eleições para muitos dos candidatos. Ao mesmo tempo, muitas mídias ocidentais têm chamado Marine Le Pen e François Fillon, os líderes da corrida, de "candidatos pró-russos" por sua retórica crítica às sanções.
Houve até boatos que estes políticos, bem como Trump nos EUA, fossem "agentes de Putin", financiados diretamente por Moscou. A causa disso está na cara — são os apelos destes candidatos para voltar a cooperar com a Rússia, enquanto as altas entidades da União Europeia, OTAN e a mídia continuam aderindo a uma política de não cedência quanto ao Kremlin.
Porém, seria mais razoável dizer que tanto Fillon como Le Pen apenas estão sendo pautados por razões pragmáticas — tanto mais que as sanções antirrussas têm afetado não só a economia russa, mas a europeia também, especialmente no que se trata do setor agrícola.
E no final, esperar o quê?
Deste modo, entrando em uma fase final das eleições francesas, podemos dizer que há dois candidatos líderes da corrida, que provavelmente disputarão a presidência no 2º turno, embora alguns analistas achem que um candidato independente, o ex-ministro da Economia Emmanuel Macron, possa "se meter" na disputa entre Le Pen e Fillon e suas chances são cada vez maiores.
Entretanto, a maioria de enquetes indica Le Pen e Fillon como os prováveis rivais no caminho ao Palácio do Eliseu. Contudo, quem quer que saia vencedor desta "briga", uma coisa é certa: a França, como muitos países europeus, está entrando em uma fase nova e inevitável, e esta fase vai trazer grandes mudanças tanto para o país, como para o mundo exterior.