Só em janeiro e fevereiro deste ano, Receita Federal e Polícia Federal já apreenderam três toneladas de cocaína – a maior parte no Porto de Santos (SP) —, enquanto em 2016 o total de apreensões chegou a 15,2 toneladas. O acordo firmado entre a Receita Federal e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODOC) prevê a intensificação da fiscalização aduaneira e ações preventivas na identificação das quadrilhas, que agem levando cocaína de países vizinhos como Bolívia, Peru e Colômbia para o exterior usando os portos brasileiros como ponto de saída.
Com o acordo, será criado uma Unidade de Controle Portuário (PCU, na sigla em inglês) no Porto de Santos. A iniciativa se soma à adesão do Brasil à rede Aircop, multiagência antitráfico financiada pela União Europeia (UE), que visa ao reforço do treinamento de agentes na detecção, interdição e investigação do tráfico de drogas em aeroportos internacionais no país.
Ricardo Cabral, especialista em estudos sobre terrorismo global, professor de Relações Internacionais e colaborador da Escola de Guerra Naval (ESG), aplaude a iniciativa, mas observa que o problema é muito mais complexo e está a exigir empenho mais efetivo tanto da União quanto dos governos estaduais. Segundo ele, o Brasil tem mais de 16 mil quilômetros de fronteira seca com os principais países produtores de cocaína na América do Sul e que são muito mal vigiados, além de mais de sete mil de costa marítima.
"A fiscalização dessas fronteiras fica a cargo da Polícia Federal, que atua em parceria com as polícias estaduais e as Forças Armadas como apoio, mas isso é claramente insuficiente porque o combate ao tráfico de drogas se faz muito com inteligência. Temos um acordo de mais de 20 anos com o Departamento de Combate às Drogas dos Estados Unidos, a Interpol e outros acordos internacionais", diz Cabral.
Para o especialista, o contexto brasileiro se modificou após o desmantelamento das Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o recrudescimento da produção de cocaína na Bolívia que tornaram o produto mais acessível. A droga chega pela fronteira seca que é vigiada pelas Forças Armadas, que têm pouco efetivo e não têm o combate às drogas como missão principal. Além disso, observa, a Marinha sofre com falta de equipamentos, como barcos patrulha, e efetivos para fazer um controle mais rigoroso de rios e costa, além do fato de que, desde o governo Collor, as Forças Armadas sofrem continuamente com cortes no orçamento. Cabral cita ainda o impressionante número de pessoas trabalhando hoje nas grandes facções criminosas no Brasil.
"A Família do Norte diz que tem 200 mil associados, algo do tamanho do Exército. O PCC (Primeiro Comando da Capital), que é de São Paulo e está enraizado em Mato Grosso, Goiás e Minas, tem em torno de 29 mil. No Comando Vermelho, calcula-se em torno de 16 a 20 mil no Rio de Janeiro. Aí vimos uma grande omissão dos poderes estaduais, como aconteceu no Espírito Santo, uma falha grotesca do governo. Parece coisa encomendada, feita por organizações criminosas e que contaram ou com o conluio das forças policiais ou no mínimo omissão e que resultou no massacre de quase 200 pessoas. No Rio, o governador Pezão tentou terceirizar o policiamento para as Forças Armadas."
Cabral acrescenta ainda um outro dado preocupante.
"Existem no setor de inteligência estudos alarmantes no sentido de que há uma infiltração dessas quadrilhas no sistema político, no policial e até mesmo no Judiciário, que é uma caixa preta. O problema vai ser colocado no colo do Ministério da Defesa e as Forças Armadas que se virem, como se elas fossem forças policiais", observa o colaborador da ESG.
Os defensores da legalização do uso de drogas, como estratégia para redução do crime organizado e da violência, citam o caso de Portugal, que em 2001 descriminalizou todas as drogas como resposta ao consumo crescente de heroína no país. As penas por uso foram substituídas por conselhos comunitários de acompanhamento de casos e prestação de serviços à comunidade dos envolvidos. O consumo de drogas entre jovens de 15 a 24 anos diminuiu de 80% em 2001 para 16% em 2012. O número de pessoas em reabilitação passou de 6 mil em 1999 para mais de 24 mil em 2008, enquanto o número de usuários de heroína caiu, no período, de 45% para 17%, enquanto o número de prisões de traficantes recuou de 14 mil em 2000 para 5 mil em 2010. Hoje, o país tem uma das taxas mais baixas de uso de drogas na Europa.
Para Cabral, a questão não é tão simples assim.
"Você tem lugares onde a violência, ao contrário do que se observa em alguns países, se reduz. Acho uma precipitação colocarmos uma questão tão importante para ser judicializada: o Supremo decidir uma coisa que deve ser feita no Congresso através das comissões, que passe pela sociedade. Liberar drogas na atual conjuntura acho uma temeridade."