A operação de Raqqa do Pentágono pode resultar na deterioração das relações entre Ancara e Washington.
O cerne da questão é que os EUA ainda dependem em grande parte das Unidades Populares de Proteção do Curdistão (YPG), vistas por Ancara como uma filial do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, designada como uma organização terrorista na Turquia.
"O governo do presidente Donald Trump está atualmente envolvido em um debate intenso sobre se deve continuar apoiando o avanço das forças curdas em Raqqa ou transferir o apoio dos EUA à Turquia e seus aliados", afirmou a revista Foreign Policy, acrescentando que os principais comandantes dos EUA consideram o YPG como "combatentes superiores e a única opção viável para expulsar o Estado Islâmico [Daesh]".
Enquanto isso, o primeiro-ministro Binali Yildirim advertiu Washington que "se [os Estados Unidos] insistir em levar a cabo esta operação com organizações terroristas, nossas relações serão prejudicadas — isso é claro".
No entanto, ao falar com a Sputnik na Turquia na terça-feira, um representante das Forças Democráticas Sírias (SDF), dominadas pelos curdos, confirmou que o Pentágono vai implantar mais 1.000 soldados americanos na Síria para ajudar o SDF durante o próximo avanço na fortaleza do Daesh em Raqqa. Ele também revelou que os EUA continuam a entregar armamentos pesados para a região.
"A cada dois dias, os Estados Unidos enviam uma grande quantidade de armas, principalmente armamentos pesados, para a região, enviando tanques, veículos blindados, mísseis, rifles de atirador, lançadores e outros tipos de armamento", disse a fonte à Sputnik sob condição de anonimato.
As tropas dos EUA servirão como conselheiros militares durante a operação e não tomarão Parte no combate, pelo menos inicialmente. Essas perspectivas geram preocupações crescentes em Ancara, que vê o avanço curdo como uma ameaça à segurança da Turquia. Em sua entrevista de janeiro à Radio Sputnik, o acadêmico turco Behlul Ozkan explicou que Ancara precisa evitar que o YPG e o Partido da União Democrática Curda (PYD) fortaleçam suas posições no norte da Síria.
De acordo com Ozkan, se os militantes curdos conseguirem controlar a fronteira turco-síria, eles "isolarão" a Turquia do Oriente Médio. Ao mesmo tempo, ele lamentou o fato de que o SDF dominado pelos curdos recebeu muito mais apoio do Pentágono do que a Turquia — principal aliado da OTAN na região.
"De acordo com as fontes turcas, os aviões americanos têm apoiado o PYD, mas a Turquia não pode obter o mesmo nível de apoio dos EUA, o que cria uma espécie de frustração em Ancara", enfatizou Ozkan.
A situação no terreno mostra que esta tendência não mudou muito desde então. A revista Foreign Policy sugeriu que se os EUA continuarem a ignorar as preocupações da Turquia, Ancara pode bloquear o trabalho de Washington na Síria.
"Se Ancara quisesse, poderia lançar uma chave importante na estratégia americana na região — por exemplo, cortando o acesso às bases aéreas no sul da Turquia, a partir do qual os Estados Unidos lançam ataques aéreos na Síria e no Iraque, ou aprofundando sua cooperação com Rússia", destacou a mídia.
Por sua parte, Damasco recentemente sinalizou que considerará qualquer operação militar na Síria sem a aprovação do governo sírio uma invasão, seja Raqqa ou qualquer outra cidade.
"Qualquer operação militar na Síria sem a aprovação do governo sírio é ilegal, e eu disse que se houver alguma tropa no solo sírio, isso é uma invasão, seja para libertar Raqqa ou qualquer outro lugar. Sabemos que a coalizão [dos EUA] nunca foi séria sobre lutar contra o ISIS [Daesh] ou os terroristas, então temos que pensar sobre a intenção real de todo o plano, se houver um plano para libertar Raqqa", disse Bashar Assad a jornalistas russos.