Embora reconheça que a entidade não tem como punir diretamente os envolvidos nesses crimes, Marcelo de Carvalho, professor de Direito Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) garante que a ONU tem todos os meios de pressão política para convencer esses países da importância do julgamento contra esses delitos. Embora o comando brasileiro das forças de paz no Haiti negue registros de casos de abuso sexual, a ONU diz ter registrado 150 denúncias contra soldados estrangeiros entre 2004 e 2016, incluindo brasileiros, nigerianos, uruguaios e paquistaneses. As denúncias envolvem ainda 134 soldados do Sri Lanka que atuavam no país sob comando brasileiro. Eles são acusados de exploração sexual de nove crianças entre 2004 e 2007, o que levou o afastamento e a volta para casa de 114 deles.
O professor da UFF lembra que casos de exploração sexual de menores pelos capacetes azuis, muitas vezes em troca de comida, não são pontuais, tendo sido registrados com uma certa frequência em países como Burundi e Gabão. No tocante à punição, o advogado criminalista aponta a existência de dois caminhos: a apuração por parte dos respectivos países aos quais esses militares são vinculados, com a abertura de inquéritos e a condução desses processos até a justiça comum. A outra alternativa seria o julgamento nos países onde os delitos aconteceram.
Carvalho admite que seria polêmico levar esse tipo de denúncia para posterior julgamento no âmbito do Tribunal Penal Internacional (TPI).
"Só podem ser remetidos ao tribunal aqueles crimes praticados por pessoas que sejam de nacionalidade de alguns daqueles Estados-membros que fazem parte do Estatuto de Roma, que criou o TPI — no caso o Brasil faz — ou ainda contra alguém cuja nacionalidade seria também vinculada a esse estatuto. O Estatuto de Roma tem uma lista reservada de crimes que podem ser submetidos a sua competência. Nos chamados crimes contra a humanidade, existe lá uma partezinha que fala em crimes sexuais sem especificar de que natureza os abusos seriam esses", observa o especialista.
O advogado faz questão de ressaltar que a competência do TPI é residual, o que exigiria ser necessário demonstrar que não houve apuração ou ainda que foram esgotadas todas as esferas de apuração. Carvalho lembra ainda que a ONU tem autonomia administrativa para exercer algum tipo de sanção administrativa, retirando esses soldados da força de paz. Segundo ele, a entidade não precisa consultar ninguém para tomar esse tipo de providência.
Procurada pela Sputnik Brasil, a assessoria de imprensa do Ministério da Defesa informou que não comentaria o assunto, "que volta e meia é recorrente na mídia, não havendo nenhum fato novo", e da mesma forma não teria nenhuma nota oficial sobre o tema.