Sputnik conversou com especialistas russos sobre essas "recomendações".
O relatório da RAND Corporation alega que o Departamento de Defesa norte-americano precisa ter "uma visão clara do papel que Kaliningrado…com suas fortes defesas antiaéreas" desempenhará em caso de uma guerra na região do Báltico, bem como dos passos que a OTAN poderia tomar para neutralizar o enclave russo na Europa.
O relatório admite que "toda tentativa de neutralização de Kaliningrado traz à tona a questão de escalada e da potencial resposta russa ao que o país consideraria como ataque ao seu território".
Estranhamente, o relatório não esclarece por que a reação russa deveria ser diferente. Afinal, a região é internacionalmente reconhecida como território da Rússia.
Comentando o relatório, bem como o número de reportagens na mídia ocidental e de publicações especializadas recentemente sobre o potencial de uma guerra entre os EUA e a OTAN com a Rússia, o observador militar Alexander Khrolenko lembrou que o Ocidente "de forma teimosa e consistente analisa as opções para essa guerra" há muitos anos. Somente altera os seus cenários geográficos entre o Báltico, a Síria, os Balcãs, e até mesmo a Ucrânia.
"De acordo com a maioria dos analistas ocidentais, a Rússia simplesmente não parece ter um caminho de desenvolvimento pacífico", lamentou o jornalista. O Kremlin, na opinião do Ocidente, sempre deve estar planejando uma guerra em algum lugar, e isso requer uma resposta ocidental apropriada.
Ao mesmo tempo, Khrolenko observou, os cenários para este "duelo de 'dois mundos' quase nunca consideram a possibilidade de uma guerra nuclear", presumivelmente porque haveria pouco para escrever sobre, se o mundo fosse consumido por uma tal guerra. "Na maioria das vezes, os analistas ocidentais ocupam o seu tempo calculando as capacidades das armas convencionais" dos dois lados.
E esses tipos de relatórios são realmente volumosos. Os observadores dedicam tempo discutindo a ameaça representada pelos mísseis de cruzeiro russos, sua artilharia de foguetes e tanques, bem como o perigo apresentado pela defesa aérea contra os jatos F-22 e F-35 dos EUA. Comentando o último, Khrolenko brincou que "se os F-35s e F-22s não tentarem voar para a Rússia, eles não serão ameaçados por qualquer defesa aérea".
"Depois de ler tais relatórios, a gente fica com a impressão de que os ocidentais na verdade vivem sonhando com a oportunidade de um confronto militar com a Rússia, ou mesmo querem provocar Moscou para uma guerra", observou o analista.
No início deste mês, o tenente-general Viktor Gumenny, vice-comandante da Força de Defesa Aeroespacial russa, disse que "por uma especificidade da posição geoestratégica da Rússia, a principal ameaça à sua segurança militar provém das forças aéreas e espaciais de estados estrangeiros. As últimas décadas mostraram que uma guerra não pode ser resolvida apenas pela defesa. O mesmo se aplica também à esfera aeroespacial da luta armada".
O analista Khrolenko concordou e explicou que "em caso de agressão, a Força de Defesa Aeroespacial da Rússia desempenhará um caráter ofensivo. Tarefas prioritárias incluirão a supressão dos sistemas de controle de aviação de um inimigo", incluindo a destruição de sistemas de satélites inimigos. A Rússia estará lançando em breve a sua mais nova plataforma de defesa aérea, a S-500. Trata-se de um sistema de mísseis terra-ar, que será capaz de atingir satélites inimigos a partir do solo.
"Sem GPS, Tomahawks não serão capazes de voar muito longe", concluiu o especialista.
Por sua vez, o analista militar independente, Vladimir Tuchkov, enfatizou que o mais importante a ser considerado na análise da RAND é que, embora se posicione como uma ONG sem fins lucrativos, a organização recebe uma parte significativa de seu orçamento de US $ 250 milhões do governo dos EUA. Uma ferramenta analítica importante durante a era da Guerra Fria, a organização tem servido há muito tempo para "lubrificar as partes móveis da maquinaria" do complexo militar-industrial dos EUA.
Segundo Tuchkov, "não é a Rússia que ameaça o Ocidente, mas o contrário; a Rússia começou a fortalecer a defesa de suas fronteiras ocidentais somente depois que o Ocidente, de forma unilateral, ampliou o poderio militar da OTAN nas nossas fronteiras".
As recomendações da RAND possuem um caráter ofensivo óbvio, observou Tuchkov, uma vez que qualquer "neutralização" de Kaliningrado significaria a destruição subsequente da infraestrutura militar e a ocupação do enclave.
Em última análise, Tuchkov explicou que a OTAN tem razão de se preocupar com as capacidades militares russas em Kaliningrado. A região conta com três regimentos de S-300, um regimento de S-400 e um sistema de radar Voronezh-DM, capaz de monitorar o espaço aéreo de até 6.000 km de distância (isto é, em toda a Europa, incluindo o Reino Unido). O S-400 pode atingir alvos a 400 km de distância. A base aérea 7054 da Força de Defesa Aeroespacial russa também fica localizada na região, e conta com proteção de sistemas Buk e Pantsir.
É preciso deixar claro, nesse caso, segundo o perito, que a Rússia age no âmbito de sua própria jurisdição. "Nenhum tratado internacional proíbe a Rússia de estabelecer as defesas que julgar necessárias em qualquer lugar dentro de nossos territórios", observou.
Em outras palavras, organizar um enorme acúmulo de forças militares nas fronteiras da Rússia e depois reclamar dos perigos representados pelas armas russas — estacionadas na Rússia — parece um pouco hipócrita, para dizer o mínimo.