Sputnik: Já passou um ano desde a destituição da ex-presidente brasileira, Dilma Rousseff. Será que o senhor, bem como toda sua equipe empresarial, sentiu alguma mudança na abordagem brasileira para com a cooperação com a Rússia com a chegada da nova administração? Houve algumas iniciativas novas ou, talvez, algumas esferas ficaram paradas?
Sergei Vasiliev: Já é a quinta vez que eu tomo parte das reuniões da Comissão Intergovernamental de Cooperação [trata-se do encontro da Comissão Intergovernamental de Cooperação Rússia-Brasil (CIC) que ocorreu nos dias 22 e 23 de maio em Brasília]. Claro que muita coisa mudou. Vou apenas falar que as relações ficaram muito mais calorosas, a nível econômico, particularmente. Há muito mais compreensão mútua, já que isso é extremamente importante. Propriamente dito, a nova administração anunciou um caráter muito mais aberto na economia, o que, claro, é crucial. […] Antes disso, ao longo de 5 anos, o comércio bilateral estava em declínio.
S: Ou seja, a seu ver, o governo que se inclina mais para a direita é um parceiro mais benéfico para a Rússia?
SV: Em algum sentido, sim, são mais abertos. Mas, falando justamente, certo encerramento da economia não se deu deliberadamente, mas sim por um conjunto de abordagens políticas. Não houve um conceito especial de fechar a economia, foi assim que aconteceu. Claro que foi um fator negativo, e deve ser combatido.
O economista adiantou que, entretanto, durante a reunião de anteontem (23) não dava para sentir qualquer tipo de perturbação ou incerteza durante as conversações, que decorreram em tom muito construtivo e amistoso.
Vale destacar que há vários anos, inclusive no decorrer da VI cúpula do BRICS que aconteceu de 15 a 16 de julho de 2014, em Fortaleza, o Brasil e a Rússia determinaram o objetivo de alcançar um fluxo comercial no volume de US$ 10 bilhões, o que até hoje não foi realizado.
"Na verdade, esta meta foi colocada ainda antes [da cúpula em Fortaleza], e até hoje não foi alcançada. Mais que isso, não estou certo que seja possível alcançá-la nos próximos anos", confessou Vasiliev.
Entre as razões para o avanço bastante lento da iniciativa, o economista sublinhou a tendência russa de buscar autossuficiência no setor de carnes, enquanto este tipo de produtos alimentícios é aquilo que contribui para a parte leonina das vendas brasileiras. O especialista destacou que, por enquanto, não há nenhuma esfera de cooperação, de mesma forma ampla, que possa substituí-la, por isso é pouco provável que as importações russas cresçam a ritmos muito elevados.
S: Ou seja, a curto prazo a realização desta meta não será possível?
SV: Falando a verdade, hoje em dia é à cooperação tecnológica e à de investimentos que se dá maior destaque. Ou seja, às esferas que não refletem tanto nos índices brutos, mas é visível na qualidade dos produtos e na introdução de novas tecnologias.
Abordando o tema da operação Carne Fraca, que levou vários países do mundo a introduzirem suspensões temporárias às importações brasileiras, Vasiliev destacou que a Rússia decidiu seguir outro caminho de não impor quaisquer sanções, o que foi altamente elogiado pelos parceiros brasileiros, inclusive pelo Ministério da Agricultura.
"Por exemplo, temos tido uns desafios na área de agricultura, no que se trata das exportações de trigo russo. Havia umas regras bem rígidas, extremamente duras. Agora, há uma hipótese de que este problema se resolva", explicou Vasiliev.
S: Isto é, o escândalo da Carne Fraca não influiu de alguma maneira nos volumes de importações russas?
SV: Absolutamente não. Digamos a verdade, este foi um escândalo artificial, em algum sentido. Tratou-se de vários produtores bem "marginais" que produzem, acho, cerca de 2% do volume total. Foi uma clara "ação de publicidade", e teve nada a ver com os problemas reais. […] Uma ação alegadamente organizada por concorrentes, porém, não conheço este mercado tão bem para dizer ao certo.
Entre outros aspetos positivos, o presidente do Conselho Empresarial Rússia-Brasil sublinhou o impacto das sanções de retaliação russas contra os produtos agrícolas europeus que acabaram por beneficiar o comércio com outros países, inclusive o com o país verde e amarelo.
"Abrem-se novas perspectivas. Por exemplo, cresceram as importações russas das frutas brasileiras, embora sempre tenham sido significativamente grandes. Além disso, há produtos lácticos, queijos, por exemplo, que também vão para a Rússia. Não é um processo rápido, mas é evidente que o comércio em outras esferas, além da de carnes, também vai aumentar", assegurou.
Entre os problemas que o Brasil e a Rússia estão enfrentando perante o desenvolvimento da cooperação bilateral está, por exemplo, a semelhança na estrutura econômica e na de exportações. Porém, Vasiliev sublinhou que há várias prioridades atuais na cooperação econômica entre os dois Estados: indústria, tecnologia e investimentos.
Em conclusão, o presidente do Conselho Empresarial Rússia-Brasil assinalou que, em 20 de junho, no âmbito da visita oficial de Michel Temer a Moscou, decorrerá o Fórum Empresarial bilateral, do qual o chefe do Estado também tomará parte ao pronunciar um discurso.
"Este é o evento mais importante para hoje. Todos os esforços estão sendo concentrados em torno dele", resumiu.