Segundo as investigações, algumas empresas pagavam a funcionários do Ministério da Agricultara e Pecuária para liberarem lotes sem a devida fiscalização. Para alguns especialistas, no entanto, a pressão do bloco se deve muito mais a questões econômicas do que às de sanidade animal. Sebastião Costa Guedes, presidente da Academia Brasileira de Medicina Veterinária e vice-presidente do Conselho Nacional de Pecuária de Corte, diz que a pressão dos europeus se deve muito mais à tentativa de obtenção de descontos e melhores prazos de pagamento agora que o real se encontra mais desvalorizado em relação ao dólar.
"No geral, o serviço de inspeção veterinário e sanitário do governo brasileiro atende aos requisitos internacionais. Não acredito que se corre o risco de se ter uma suspensão das importações. Por outro lado, a UE pode exigir relatórios mais amiúde. Aliás, os burocratas de Bruxelas gostam muito de papeis", alfineta o especialista.
Na última reunião dos ministros da Agricultura do bloco, realizada em Luxemburgo, foi apresentada uma auditoria apontando mais de 100 casos de contaminação de carnes brasileiras. Desde meados de março, a UE também tem reforçado os controles de entrada da carne brasileira, e já rejeitou 90 carregamentos em que foram apontadas 93 irregularidades. O bloco é o segundo maior comprador de frangos do Brasil (US$1,07 bilhão em 2016) e o terceiro em carne bovina (US$ 685 milhões no ano passado).
Guedes exemplifica a questão do controle sanitário na Europa com as exigências feitas pela Rússia. Ele lembra que a Rússia tem muitas exigências específicas, ligadas a um posicionamento científico diferenciado dos Estados, principalmente na questão dos estimulantes de crescimento do gado e do uso de antibióticos nas rações. Ele observa que o Brasil cumpre todas as normas do Codex Alimentarium — coletânea de padrões reconhecidos internacionalmente, códigos de conduta, orientações e outras recomendações relativas a alimentos, produção de alimentos e segurança alimentar — da FAO (órgão da ONU ligado a alimentação) e da Organização Mundial de Saúde (OMS).
O presidente do Conselho Nacional de Pecuária de Corte descarta que a pressão da UE sobre o governo brasileiro se deva à interferência de algum país concorrente.
"Na questão da carne bovina, ninguém tem custos menores do que nós. A Austrália este ano está tendo problemas de produção devido a uma seca intensa e os Estados Unidos têm uma carne mais cara. No frango também acho difícil, porque o Brasil é um grande produtor de grãos", afirma.
Guedes lembra que a Argentina foi um grande protagonista no mercado global de carnes e um dos principais concorrentes do Brasil. Segundo ele, 15 anos de kirchnerismo, porém, privilegiaram o mercado interno e seguraram as exportações como forma de diminuir a pressão sobre a inflação. O especialista observa, porém, que o país começa a voltar ao mercado, principalmente no segmento de carnes nobres em que só fica atrás dos EUA. Os americanos hoje têm como principal foco de exportação de carne para o Japão e a Coreia do Sul. Só para se ter uma ideia, uma tonelada de língua bovina tem preço médio mundial de US$ 4 mil, enquanto os japoneses pagam US$ 20 mil.