Arsenal roubado em Portugal era protegido por soldados sem balas

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Um caminhão com armas foi roubado na semana passada de um arsenal português. Desapareceram armas antitanques, explosivos plásticos, granadas de mão e outras munições. Autoridades locais cogitam opção de roubo do crime organizado, já o resto da Europa teme que o armamento seja usado por terroristas.

O mais famoso comediante português, Raulo Solnado (1929-2009), é autor da peça teatral dos anos 60, chamada "A guerra de 1908". Nela, os soldados combinam as batalhas com os inimigos da seguinte forma: às segundas, quartas e sextas bombardeavam alguns; e às terças, quintas e sábados bombardeavam os outros. Cada soldado usava uma só bala, atada por uma corda, ou seja, para economizar. A ficção parece imitar a realidade. Os militares portugueses que guardam o arsenal de Tancos, que foi assaltado na semana passada, patrulham o local armados de espingardas metralhadoras sem balas. A decisão de retirar as balas, segundo garante o Jornal de Notícias, foi tomada na década de 90 por decisão do então chefe do Exército "para evitar acidentes".

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Apesar de as munições estarem disponíveis à parte, não podem ser usadas no imediato já que os carregadores estão lacrados e com cintas. Dez militares estavam trabalhando quando foi realizado o roubo. Estavam garantindo a segurança do complexo militar sem munições nas armas. Isso significa que antes de o militar conseguir disparar tem de retirar o carregador e inseri-lo na arma. "O objetivo é conseguir surpreender o alvo. O que nessas condições seria impossível. Só o barulho de tirar carregador, pôr carregador, puxar culatra atrás, das duas uma: ou o alvo escapava antes de o militar estar em condições de abrir fogo ou o alvo o abatia", explica um militar que falou com o Jornal de Notícias.

As ordens da chefia foram cumpridas e não houve nenhum acidente, menos mal. Tudo teria continuado na paz do senhor se não tivessem roubado armas suficientes para encher um caminhão. Segundo fontes dos serviços secretos espanhóis, citadas pelo site El Español, a lista conta com mais de 1.400 cartuchos de nove milímetros, 200 granadas de vários tipos e 264 unidades de explosivo plástico.

"As forças de segurança europeias, já estão em permanente alerta antiterrorista, têm desde há uns dias uma nova razão para se preocupar", lê-se no início do artigo publicado pelo El Español. Os aliados da OTAN já foram notificados do furto, bem como os serviços de informação estrangeiros. Embora as autoridades portuguesas se inclinem para um roubo do crime organizado, o resto da Europa teme que o armamento seja usado por terroristas.

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O roubo, que teria acontecido na noite de 28 para 29 de junho, apenas foi comunicado pelo Exército português no dia 29 de junho. "Verificou-se o desaparecimento de material de guerra, especificamente granadas de mão ofensivas e munições de calibre nove milímetros", lê-se na nota do Exército, que pormenoriza que o arrombamento foi detectado na quarta-feira à noite. O roubo das armas foi detectado pela ronda móvel, realizada pelos militares no complexo de duas em duas horas. Os assaltantes teriam entrado por um buraco na cerca, na zona norte das instalações. O Exército diz ter chamado ao local a Polícia Judiciária Militar, que "tomou conta da ocorrência e iniciou as averiguações". O Ministério Público e a Polícia Judiciária também foram postos ao corrente, segundo o comunicado, que refere ainda que o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, foi informado pelo chefe do Estado-Maior do Exército, Rovisco Duarte, e "acompanha o desenrolar das investigações".

As chefias do Exército português suspenderam as funções de cinco comandantes, ligados à segurança do paiol; medida que teve imediata contestação de vários militares que ameaçaram entregar as espadas ao Estado-Maior do Exército, como ato de protesto.

Caixa 1

Lista de material furtado

  • 450 Cartuchos de 9 mm;
  • 22 Bobinas de fio para ativação por tração;
  • 1 Disparador de descompressão;
  • 24 Disparadores de tração lateral multidimensional inerte;
  • 6 Granadas de mão de gás lacrimogêneo CS / MOD M7;
  • 10 Granadas de mão de gás lacrimogêneo CM Antimotim M / 968;
  • 2 Granadas de mão de gás lacrimogêneo Triplex CS;
  • 90 Granadas de mão ofensivas M321;
  • 30 Granadas de mão ofensivas M962;
  • 30 Granadas de mão ofensivas M321;
  • 44 Granadas foguete antitanque carro 66 mm com espoleta M4112A1 com lançamento M72A3 —M/986 LAW;
  • 264 Unidades de explosivo plástico PE4A;
  • 30 CCD10 (Carga de corte);
  • 57 CCD20 (Carga de corte);
  • 15 CCD30 (Carga de corte);
  • 60 Iniciadores IKS;
  • 30,5 Lâminas KSL (Lâmina explosiva)

Caixa 2

"Fiquei bebendo uísque com o comandante, enquanto enchíamos o caminhão de armas"

O homem que protagonizou um dos maiores desvios de armas nos quartéis portugueses durante a revolução, Carlos Antunes, não tem dúvidas: "trata-se certamente de um roubo com cumplicidades internas, e só está a ser usado pela oposição para ladrar contra o governo, porque não têm nada mais para dizer".

Ele comandou o PRP-BR (Partido Revolucionário do Proletariado-Brigadas Revolucionárias), uma das três organizações que realizavam ações armadas contra o regime fascista; as outras eram a LUAR (Liga de Unidade e Ação Revolucionária), de Palma Inácio, que veio a aderir ao PS, e a ARA (Ação Revolucionária Armada), organização armada do Partido Comunista Português.

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Depois da revolução de 25 de Abril de 1974, ele esteve envolvido em várias ações de "requisição" e distribuição de armas por coletivos políticos. Foi processado e depois absolvido por ter, no dia 11 de Março de 1975, entrado em Beirolas com armas antitanque que foram levadas de Tancos, durante tentativa de golpe de Estado da extrema-direita. "Mas na época levamos isso e muito mais. Só não levamos C4, porque na ocasião o exército só tinha C3", confessa o ex-comandante das Brigadas Revolucionárias, rindo. Eles não entraram por um buraco na cerca. "Entramos pela porta de armas. Chamei o oficial de dia e pedi para falar com o comandante da unidade. Fiquei umas horas a discutir com ele e a beber uísque, enquanto lá embaixo, outros camaradas carregavam o caminhão militar", relembra.

"Posteriormente, ele acusou-me de tê-lo 'detido', mas eu apenas lhe perguntei 'se tinha algo para beber', e fiquei a beber com ele", ironiza. Nunca chegou a ser condenado. Confrontado o oficial, ele matizou a declaração dizendo que "tinha se sentido detido". Sentimentos ainda não dão prisão e as armas foram distribuídas para proteger a revolução.

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A propósito do roubo de armas em Tancos, o ex-comandante do PRP-BR não tem dúvidas, uma ação desta natureza não pode ser feita sem cumplicidades internas. Sobre o acontecido não se responsabiliza o atual executivo. "A degradação do Estado foi largamente agravada com as políticas de austeridade. A situação atual de desinvestimento e degradação de tudo o que é público resulta nisso". Para Carlos Antunes, "a oposição ladra com este caso e o fogo de Pedrógão Grande, porque não tem nada para dizer. Sabendo que esses casos não são de responsabilidade do governo".

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