A análise é da nova coordenadora dos cursos de Relações Internacionais da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), Marília de Souza. Para ela, a tentativa de montar um governo paralelo representa um grande risco de aumentar a convulsão social no país com graves consequências para toda a região. Para a professora, a decisão da Venezuela de considerar os ex-presidentes Jorge Quiroga (Bolívia) e Andrés Pastrana (Colômbia) pessoas non gratas é uma resposta à pressão da comunidade internacional, em especial Estados Unidos e União Europeia, por mudanças no regime, com a libertação de presos políticos, convocação de eleições e a desistência do pleito para criação de uma Assembleia Nacional Constituinte, defendida por Maduro, e prevista para acontecer em 30 de julho.
"Desde a morte do Hugo Chaves até a chegada ao poder do Maduro, ele já inicia com um processo de baixa legitimidade junto à sociedade venezuelana. Ele é um líder mais radical, com baixa popularidade mesmo entre os chavistas. Ele vem gradualmente aumentando a radicalização no sentido institucional, criando leis e medidas contra a oposição com o apoio da Suprema Corte, que é um órgão importante para sua gestão. Com o acirramento da crise econômica, com a baixa do preço do petróleo, é normal que haja agora uma tentativa de radicalizar ainda mais por conta dos setores ligados ao petróleo e à importação", comenta.
Marília chama a atenção, contudo, para a radicalização da própria oposição. Segundo ela, é pouco democrática a proposta de criação de um governo paralelo.
"Isso vai estimular a violência, os conflitos e a polarização dentro do país. A oposição precisa, por via democrática, chamar a atenção da mídia e da comunidade internacional, hoje mais atenta ao que está acontecendo. O processo pela via democrática é o melhor caminho. Com a maioria no Parlamento e organização maior, eles têm um processo interessante e uma conjuntura regional mais favorável. A onda progressista na América Latina parece ter chegado ao fim. Falta um pouco de paciência para se manterem no jogo democrático. Há uma perda muito grande para a região como um todo se eles rompem com esse processo e afirmam a criação de um Estado paralelo", afirma a especialista.
Na visão da professora da Fecap, o acirramento da crise venezuelana tem revelado também outro aspecto importante para a geopolítica da região: a falta de consenso dos países da Organização dos Estados Americanos (OEA) em concordar com a adoção de medidas mais duras contra a Venezuela. Se por um lado países como México, Brasil, Argentina, Colômbia e Chile endurecem o discurso contra Maduro, outros da América Central tem servido como um contraponto à tentativas de ingerência nos assuntos do país, como ocorreu em 2002 com a tentativa de um golpe de estado para derrubar Chávez.
"A mídia, setores como ONGs, ligadas a direitos humanos, são setores em grande medida financiados pelos EUA, pelos grandes conglomerados. Então a gente tem que olhar um pouco esses atores que têm voz internacional e que são financiados com interesse muito claro, seja pela União Europeia, seja pelos EUA de retirar esse governo do poder, um governo que nacionaliza o petróleo e faz medidas populares que não são vistas com bons olhos. A gente tem o antes e o pós 2002, e a gente está vivendo os reflexos daquela ruptura", observa a professora.