A Coreia do Sul provavelmente seria o primeiro alvo de um ataque norte-coreano, uma vez que uma guerra na Península Coreana eclodisse. Com mísseis e canhões apontados para a capital sul-coreana, milhares de pessoas poderiam morrer em questão de dias, sem nem mesmo haver a necessidade de Pyongyang usar armas nucleares.
Mas tal hipótese não possui lastro entre analistas que acompanham de perto a crise. Uma dessas figuras “descrentes” em tal conflito militar é John Delury, professor associado de Estudos da Ásia Oriental na Universidade Yonsei, em Seul. Para ele, os riscos de uma guerra de fato ainda são pequenos, apesar da retórica dos dois países.
“Bem, eu vou descer do muro aqui e dizer que, se a Coreia do Norte estava planejando algum tipo de ataque preventivo ou surpresa em Guam, não estaríamos lendo sobre o assunto nos meios de comunicação norte-coreanos”, afirmou Delury, em uma entrevista em seu escritório à Agência Associated Press.
A ilha de Guam, no Oceano Pacífico, foi a mais recente protagonista na troca de farpas entre os dois países. A Coreia do Norte ameaçou atacar a localidade, onde existem bases dos EUA. Horas antes, o presidente norte-americano Donald Trump prometeu “fogo e fúria” contra Pyongyang, caso o regime comunista fizesse novas ameaças.
Mesmo com os riscos reduzidos até o momento, não significa que tudo esteja tranquilo, alertou Delury. “Dito isso, você precisa controlar suas ameaças. E há casos em que eles fizeram uma ameaça específica e cumpriram”, emendou o professor.
Tanto Trump quanto o líder norte-coreano Kim Jong-un são vistos como pessoas imprevisíveis. Assim, na hipótese de um ataque preventivo dos EUA, o Pentágono demandaria apoio militar da Coreia do Sul. Em retaliação, Pyongyang bombardearia Seul e enviaria os seus mais de 600 mil soldados à fronteira.
“Não é algo que você pode fazer sem apoio robusto e completo do governo sul-coreano, e não há absolutamente nenhum sinal de que a Coreia do Sul apoiará opções militares com a Coreia do Norte”, explicou Delury.
Capacidades e preocupações
A escalada dos discursos entre autoridades estadunidenses e norte-coreanas gira, inevitavelmente, em torno do poderio nuclear da Coreia do Norte. Apesar dos dois mais recentes testes balísticos com o que seriam mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs, na sigla em inglês) de Pyongyang, há quem não creia que tais armas representem perigo aos EUA.
Um deles é Siegfried Hecker, especialista nuclear norte-americano que visitou as instalações nucleares da Coreia do Norte em algumas oportunidades. Na sua opinião, o país asiático ainda não tem toda a capacidade para ameaçar a ilha de Guam com um ataque.
“Não acredito que eles tenham a capacidade de fazê-lo ainda e, além disso, por que eles iriam querer se suicidar atacando um alvo remoto como Guam? A ameaça real de uma guerra nuclear inadvertida na Península Coreana se daria por mal entendido ou erro de cálculo. A retórica inflamatória em ambos os lados tornará isso mais provável. É hora de atenuar a retórica”, avaliou.
Hecker comentou que o armament norte-coreano só representaria uma ameaça real à Coreia do Sul e ao Japão. Ao contrário dos recentes informes da inteligência dos EUA, o especialista disse não acreditar que Pyongyang possua tecnologia para, por exemplo, equipar um ICBM com uma ogiva nuclear em tamanho reduzido. Para ele, o diálogo entre os dois países neste momento seria fundamental.
Essa é também a aposta do governo da China, principal aliado internacional da Coreia do Norte e personagem importante na crise. Pressionado por Trump, o presidente chinês Xi Jinping prometeu colaborar e exercer pressão sobre o regime comunista. Porém, passados alguns meses, o presidente dos EUA lamentou a falta de progresso por parte de Pequim.
As fortes declarações entre EUA e Coreia do Norte preocupam os chineses. E parece ser consenso no país de que a culpa dos mais recentes episódios de ‘guerra de palavras’ repousa no colo norte-americano. É o que pensa Cheng Xiaohe, da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Renmin de Pequim.
“Se não for mantido bem sob controle, esse bate-boca poderia se transformar em um choque militar”, comentou. Segundo Cheng, a China deveria enviar diplomatas aos dois países, em uma tentativa de levar os dois lados para a mesa de negociações.
Tido como um dos principais analistas chineses em Coreia do Norte, Zhang Liangui, professor da academia principal de treinamento do Partido Comunista, mencionou que outro risco a médio e longo prazo repousa no possível entendimento que Pyongyang possa ter sobre Trump e suas ameaças: “um cão que muito late, mas não morde”.
“Trump disse que os EUA tomariam medidas difíceis se a Coreia do Norte disparasse mísseis, mas nada fez. Isso pode fazer a Coreia do Norte pensar que é apenas uma ameaça verbal, então sua atitude está ficando cada vez mais difícil”, avaliou.
Na visão de Zhang, só um trabalho diplomático conjunto entre EUA, China e Rússia – os dois últimos vistos como aliados de Kim Jong-un – pode levar a uma desnuclearização norte-coreana. “Os grandes países não devem se atacar, mas se unir para melhor cooperar na manutenção da desnuclearização da Península da Coreia”.