"Ao nacional do Haiti poderá ser concedido o visto permanente por razões humanitárias, condicionado ao prazo de 5 (cinco) anos […]. Consideram-se razões humanitárias, aquelas resultantes do agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010". Assim começa a Resolução Normativa 97 do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) que aboliu uma série de regras aos aplicantes do VIPER, o visto de permanência, aos haitianos que desejavam vir morar no Brasil.
A Sputnik Brasil esteve em Porto Príncipe, onde conversou com exclusividade com o embaixador brasileiro no Haiti, Fernando Vidal. No posto há quase dois anos, Vidal contou que, embora o problema de multidões em frente à embaixada à espera de protocolar o pedido de visto tenha sido sanado graças a um convênio com a Organização Internacional de Migração, há pelo menos 3 mil pedidos acumulados à espera da aprovação (ou a negativa) do VIPER. Nenhum agendamento, porém, está sendo realizado posterior ao dia 30 de outubro, data em que a renovação da Resolução 97 expira.
"Existem comentários de que [a resolução] poderia acabar porque já se vão cinco anos. Não há nada de confirmado porque precisamos esperar essa reunião [do CNIg]. Ano passado tivemos informações assustadoras de haitianos que iam para o Brasil e de lá saíam para outros países, sobretudo Chile e Estados Unidos. Como houve esse fenômeno, eu não acho impossível que já se comece no Brasil um debate para por fim a essa política. O fato de já terem se completado cinco anos pode ser que influencie na decisão", avalia o embaixador, abstendo-se porém de dar um palpite do resultado da reunião que acontece agora em setembro.
Ainda de acordo do Vidal, a imigração observada nas fronteiras chilena e estadunidense contraria o propósito da medida adotada pelo governo da presidente Dilma. Para o embaixador, o objetivo da política especial de vistos "é que os haitianos venham morar no Brasil. Nós abrimos as portas para que venham tentar no Brasil o trabalho que não encontram no Haiti […]. Não queremos que o haitiano use o Brasil como ponte de passagem para outro lugar, não defendo esta política", argumenta.
Oficialmente
A Sputnik Brasil entrou em contato com os Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores para confirmar sobre os próximos passos da política de vistos com o Haiti. Inicialmente, o Ministério da Justiça informou que a demanda seria de responsabilidade da pasta.
Na resposta enviada nesta tarde, porém, o Ministério alegou que "com a vigência da Lei de Migração, a partir de 21 de novembro de 2017, possivelmente a competência para decisão sobre concessão de vistos humanitários será do Ministério das Relações Exteriores, considerando a proposta de regulamentação da Lei de Migração, ainda em estudo no Governo Federal. Considerando o órgão competente, caberá a ele pronunciar-se a respeito da continuidade ou não da concessão de visto de caráter humanitário para haitianos". A Sputnik Brasil repassou o pedido ao Itamaraty, mas não obteve retorno.
A lei brasileira – bem como a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados – não prevê desastres e outros fenômenos naturais como fatores causadores de refúgio. Isso não impediu, porém, que a Resolução Normativa 97 tenha trazido pelo menos 80 mil haitianos para morar legalmente em terras brasileiras. Por meio do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), o Brasil também decidiu regularizar 43 mil haitianos indocumentados que chegaram às fronteiras nacionais no Acre no início do ano passado.