De acordo com Fischer, que integrou o gabinete do ex-primeiro ministro Gerhard Schröder entre 1998 e 2005, o fim da Guerra Fria significou que “o risco de superpotências nucleares desencadearem o Armagedom” era praticamente nulo. Contudo, tal realidade já não pode ser encarada da mesma forma na atualidade.
"Hoje, o maior perigo é que um número crescente de países pequenos, governados por regimes instáveis ou ditatoriais, tentará adquirir armas nucleares. Ao se tornar uma potência nuclear, tais regimes podem garantir sua própria sobrevivência, promover seus interesses geopolíticos locais ou regionais e até mesmo prosseguir uma agenda expansionista", avaliou.
Ao liberar as suas emoções e "não se manter na racionalidade da dissuasão", Trump vai no sentido oposto ao que se deveria buscar, tanto no caso do programa nuclear norte-coreano, quanto nas ameaças de romper o acordo nuclear firmado com o Irã. "Se a proliferação nuclear aumentar, o limiar para o uso de armas nucleares provavelmente cairá", continuou Fischer.
O ex-ministro alemão reprovou qualquer tentativa de responder com "fogo e fúria", como fez Trump, a qualquer provocação vinda de Pyongyang. Um ataque preventivo, de acordo com Fischer, apenas levaria a uma confrontação com a China, destruiria a Coreia do Sul, e causaria danos incalculáveis ao Japão – os dois últimos países são aliados dos EUA na Ásia.
"E, porque o triângulo China-Coreia do Sul-Japão se tornou o novo centro de poder da economia global do século XXI, nenhum país seria poupado das consequências econômicas. Mesmo que os EUA continuem a aludir à possibilidade de guerra, os líderes militares americanos sabem que o uso da força militar não é realmente uma opção viável, dado seus custos e riscos proibitivamente elevados", emendou.
Risco iraniano
Os riscos mais realistas não param aí. O plano do líder norte-coreano Kim Jong-un é ser reconhecido pela comunidade internacional como uma potência nuclear. O efeito disso, se alcançado, seria levar a uma corrida de Seul e Tóquio para possuírem os seus próprios arsenais nucleares. Seria mais instabilidade em um cenário político mundial já instável.
Fischer reforçou que muitos dos próximos capítulos passam, inevitavelmente, pelo governo Trump, que vem fomentando instabilidade dentro dos EUA. "Se os EUA não podem mais ser considerados para garantir paz e estabilidade mundiais, então nenhum país pode. Seremos deixados com um vácuo de liderança, e em lugar algum isso é mais perigoso do que com respeito à proliferação nuclear".
Assim, a crise com a Coreia do Norte expõe o que não deve ser feito por líderes mundiais, caso a intenção seja evitar um conflito nuclear, insistiu Fischer. O ex-ministro alemão explicou que deve se evitar uma nova crise nuclear, agora com Teerã, o que poderia levar a uma guerra perigosa no Oriente Médio, já envolto em outros eventos militares.
"As ameaças nucleares de hoje exigem exatamente o oposto do 'fogo e fúria'. O que é necessário é a cabeça nivelada, a racionalidade e a diplomacia paciente que não se baseia em perigosas e fantásticas ameaças de força. Se a última superpotência abandona essas virtudes, o mundo — todos nós — terá que enfrentar as consequências", concluiu.