O que a teoria da sexualidade de Freud tem a ver com revolução comunista na Rússia?

CC0 / / O "pai" da psicanálise, Sigmund Freud (foto de arquivo)
O pai da psicanálise, Sigmund Freud (foto de arquivo) - Sputnik Brasil
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Em diálogo exclusivo com a Sputnik, o psicanalista e escritor premiado, Christian Dunker, analisou o papel da psicanálise nascente na Revolução Russa de 1917.

Poucos sabem, mas a primeira instituição de ensino primário que usava a pedagogia psicanalítica foi fundada em Moscou em 1921 pela psicanalista Vera Schmidt.

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Estava-se no início da revolução que marcou a história mundial em 1917, e a psicanálise de Sigmund Freud florescia como uma ferramenta capaz de ajudar a população a se adaptar a um contexto de profundas transformações sociais.

"É algo que prova que a psicanálise não é uma ciência individualista, como muitos acreditam, mas também olha para o coletivo", disse o psicanalista brasileiro Christian Dunker à Sputnik Mundo.

Na opinião dele, o centenário da Revolução Russa, celebrado em novembro deste ano, é ideal para ressaltar a "negação" generalizada do passado da psicanálise, tanto pelas teorias marxistas como pela "psicologia hegemônica".

"A psicanálise foi esquecida pela própria psicologia hegemónica para se apresentar como uma espécie de ciência que exclui o passado no qual ela estava envolvida politicamente", observou.

De acordo com Dunker, que escreveu um ensaio sobre o respectivo assunto para a editora brasileira Boitempo, a Rússia emergia como um dos países mais promissores para o avanço da psicanálise, com traduções precoces das obras de Freud por intelectuais, entre outros exemplos, tais como um lar para crianças fundado por Schmidt, considerada uma das precursoras do "freudo-marxismo".

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"Duas sociedades psicanalíticas se estabeleceram na Rússia antes de 1920. Nesse período foram entendidas como parte das vanguardas estéticas, políticas e intelectuais que se reuniram em torno da revolução", afirmou o psicanalista e professor da Universidade de São Paulo (USP).

Nesse sentido, as ideias de Freud foram usadas por um psiquiatra que, segundo Dunker, estava muito preocupado com questões latentes no contexto social da época, especialmente com as relacionadas com a sexualidade.

"A opressão das mulheres, o aumento de estupros, os abortos em massa, as condições das trabalhadoras do sexo: tudo isso fazia parecer necessário que uma revolução de costumes e uma revolução política fosse acompanhada por uma nova política sexual", explicou o especialista brasileiro.

O carácter incipiente da psicanálise como ciência não convenceu o então líder Vladimir Lenin. Por outro lado, o próprio Leon Trotsky "esteve pessoalmente com o grupo freudiano que aí se estava desenvolvendo", de acordo com a biografia dele.

"Trotsky pensou que seria possível reunir a psicologia de origem reflexológica com a concepção freudiana em torno de uma psicologia materialista", acrescentou Dunker.

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"Essa ideia contribuiu para o desenvolvimento da psicanálise na Rússia, mas também serviu como uma espécie de motivo para que, com o surgimento de [Josef] Stalin, passasse a ser considerada como uma teoria burguesa, individualista e biológica e não mais compatível com a revolução ", frisou.

Para o professor, a rejeição da psicanálise na época de Stalin também "pode ser atribuída ao interesse em excluir teorias que estivessem identificadas com o Ocidente e formar uma espécie de pensamento autônomo, propriamente soviético naquela época".

Em 1932, o pai da psicanálise, Freud, criticou o rumo da Revolução e chamou-a de "ensaio de um experimento social", deixando "para trás esse período de florescimento original na Rússia", relembra Dunker.

"Freud considerou que uma ciência social eficiente precisaria de juntar ideias psicanalíticas às ideias de [Karl] Marx, lançando assim os alicerces daquilo que mais tarde se chamaria de freudo-marxismo após a Segunda Guerra Mundial", concluiu o psicanalista.

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