Para o jornalista e analista internacional Julián Aguirre, radicado na Venezuela, "tais declarações" estão inscritas no mesmo sentido que o "intercâmbio recente que [o presidente argentino] Maurício Macri teve com a administração dos EUA, na qual ele deu sua palavra comprometer-se a exercer mais pressão" sobre a Bolívia.
Também não podem ser desconsideradas as declarações do Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, "em que ele repreende a oposição por participar das eleições e dar legitimidade às instituições venezuelanas". Segundo Aguirre, em entrevista à RT, "trata-se de uma ação diplomática com o objetivo de manter o governo da Venezuela em suspenso".
Por seu lado, Fernando Vicente Prieto, colunista da Telesur e membro do espaço ALBA Movimientos, que reúne organizações sociais de todo o continente, concluiu: "É um ato de sinceridade o do ministro de Relações Exteriores brasileiro, que deixa claro o que objetivos diplomáticos pelos quais a Venezuela foi expulsa".
Acordo e o seu perigo para os povos
Os acordos de livre comércio não são novos na América Latina. Vicente Prieto apontou que os EUA têm "há muitos anos", assim como as principais potências mundiais, tentado promovê-los. Como ele explicou, este é um tipo de acordo é "controlado por grandes empresas e que o que eles fazem é cartelizar os diferentes setores".
As empresas transnacionais "promovem esse tipo de acordos entre os Estados para evitar que os países exerçam sua soberania e regulem suas ações". Em geral, eles pretendem "derrubar as normas trabalhistas" para que as empresas possam reduzir o chamado "custo trabalhista", com o qual as populações "perdem direitos", acrescentou o especialista.
Finalmente, ele enfatizou que também "prejudicam a produção nacional", porque a escala de países como EUA, membros da UE ou China "faz seus custos muito mais baratos", e dessa forma "é impossível competir". Os seus principais beneficiários são as "empresas importadoras", que consolidam o papel dos países periféricos "como exportadores de matérias-primas".
Negociações de longa data
A primeira vez que o Mercosul e a UE se sentaram para discutir um possível FTA foi no ano 2000. A iniciativa teve como objetivo contrariar o projeto dos EUA da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Pouco depois, o acordo "foi paralisado pelas mudanças políticas experimentadas na região desde a crise neoliberal", disse o sociólogo José Seoane. O próprio membro do Grupo de Estudos da América Latina e do Caribe (GEAL) acrescentou que, no entanto, foi retomado "nos últimos anos antes de uma nova ofensiva neoliberal".
Na mesma perspectiva, Aguirre ressalta que hoje o Mercosul está "lamentavelmente encabeçado" pelos "novos governos de direita da Argentina e do Brasil". Além disso, a região está indo para um acordo que "terá consequências críticas e com resultados muito ruins para as economias sul-americanas".
Secreto e antidemocrático
Como a maioria dos tratados comerciais, o agora negociado pelos blocos sul-americanos e europeus é em grande parte secreto. "Não se conhecem os termos, mesmo que já estejam na última seção, os rascunhos ou os pontos de concordância", disse Seoane. O especialista observou que isso é mais preocupante porque, devido à "natureza da regulamentação internacional", suas estipulações serão impostas às "leis nacionais, Estados e até mesmo às Constituições dos países".
Isso destaca sua condição "antidemocrática", e é por isso que "não é por acaso" que "redes, movimentos e organizações que se pronunciem criticamente e exijam a abertura de rascunhos e uma discussão pública", acrescentou. O requisito, mesmo, é que o acordo seja submetido a "mecanismos de plebiscito ou referendo para que possa ser aprovado".
O pouco que é conhecido
Apesar da natureza agora secreta dos detalhes do acordo, algumas de suas cláusulas foram disseminadas. E se isso não for suficiente, disse o membro do GEAL, também pode prever quais serão os seus pontos essenciais ao examinar "os acordos que a UE adotou com outros países latino-americanos nos últimos anos".
Com os acordos comerciais, não é "apenas um acordo de redução de tarifas e favorecendo o comércio". Também implicam outros pontos, que têm a ver com a "proteção de investimentos estrangeiros", aos quais "direitos iguais e segurança jurídica" são fornecidos às capitais nacionais; permitir que "compras do setor público" sejam feitas por partes privadas; e eles supõem um "processo de abertura" para as grandes empresas no setor de serviços, o que traz "efeitos nocivos para a saúde e a educação, aprofundando os processos de privatização".
Finalmente, eles incluem um capítulo de propriedade intelectual que "dá destaque às transnacionais farmacêuticas", o que terá "um possível impacto na elevação dos preços e no corte da capacidade do Estado para produzir medicamentos a baixo custo", disse Seoane.
Além disso, Aguirre acrescentou: "a enorme renda" de bens e serviços europeus através de importações "deslocaria ou colocaria em crise vários setores, especialmente aqueles relacionados às indústrias de manufatura e luz". Algo que de fato supõe "processos de desindustrialização".
Consultado sobre os argumentos apresentados pelos governos para defender esta política, o membro do GEAL explicou que "a justificativa" que é proclamada é "as vantagens que dariam ao setor agrícola" da América do Sul. No entanto, não está claro quais serão os "compromissos" que a UE aceitaria "em termos de política de proteção e subsídios".
E mesmo que este tenha atingido pontos significativos, "a produção agrícola, tanto na Argentina quanto no Brasil, é muito concentrada, com a qual os benefícios seriam muito restritos a certos setores". Em resumo: "O acordo tem todos os componentes do antigo pacto colonial que reforça as assimetrias entre o centro e a periferia", concluiu.