A morte do ativista Santiago Maldonado e o assassínio do líder comunitário Rafael Nahuel revelaram uma enorme tensão entre os povos indígenas e os grandes proprietários. No entanto, a situação não é nada nova, remontando a finais do século XIX, opina Ramón Minieri no seu livro Esse alheio sul (Ese ajeno sur, em espanhol).
Segundo disse o especialista, uma sociedade chamada The Argentine Southern Land Company (TASLCo, Companhia de Terras do Sul Argentino, em português) recebeu "como presente do governo nacional a propriedade de quase um milhão de hectares no norte da Patagônia". Através de um complexo esquema de testas-de-ferro e sociedades intermediárias, a TASLCo começou criando gado nessas terras, situadas na atual província de Chubut, e continuou fazendo isso "durante quase um século" em condições "extremamente favoráveis".
Deste modo, a empresa, com sede em Londres, "operou como um enclave pouco ligado à economia argentina".
"Em algum momento, sua extensão levou à criação de um projeto geopolítico imperial: um corredor terrestre sob poder britânico que teria ligado a Inglaterra com a Austrália através da Patagônia e do sul do Chile", afirmou Minieri à Sputnik Mundo.
Os lucros gerados em território argentino "não favoreceram nem o desenvolvimento local nem o regional". Ao contrário do que diziam os estatutos da sociedade, não foram criadas nenhumas possibilidades para desenvolver as terras sob seu controle.
No entanto, a intenção de ocupar a zona com mão de obra britânica não deu certo, pois italianos e espanhóis representaram a maioria dos que chegaram à Patagônia com o fim de se estabelecerem e trabalharem. Os ingleses e escoceses eram "pessoal hierárquico e administrativo das empresas de pecuária organizadas a partir do Reino Unido".
Assim, as terras ganhas na Conquista do Deserto chegaram a pertencer "entre uns 67 e uns 62%" a proprietários estrangeiros, principalmente britânicos. As empresas pressionavam os pequenos comerciantes e estabelecimentos menores a fecharem, o que, segundo o historiador, favoreceu a concentração dos latifúndios em poucas mãos. Por isso, os grandes latifundiários por muitas vezes expulsaram os primeiros povoadores.
Os governos mudavam, mas nem os que tinham cariz "nacional e popular" se atreveram a quebrar o statu quo da Patagônia.
Em 1975, a TASLCo sofreu sua primeira mudança de donos. Já não era propriedade de acionistas britânicos, mas de uma sociedade estabelecida no paraíso fiscal do Luxemburgo e controlada em Buenos Aires.
Com 1982 e a Guerra das Malvinas, começou uma onda de patriotismo originada pela luta armada contra os britânicos no arquipélago. O nome da empresa foi espanholizado, tornando-se Compañía de Tierras del Sud Argentino (Companhia de Terras do Sul Argentino), pois o nome original evidenciava a presença do inimigo dentro das fronteiras nacionais.
Em 1996, já sob o controle de Benetton, nos estatutos da Companhia de Terras foi incluída a exploração mineira. A partir de então, as jazidas de ouro e prata descobertas por britânicos um século atrás, tornaram-se presa suculenta da empresa transnacional e não um benefício para as comunidades locais.
"A Patagônia continua sendo em grande parte uma província imperial, talvez em processo de substituir de alguns de seus donos por outros, não muito diferentes dos anteriores. A soberania, que se traduz em liberdade, na possibilidade de dispor da sua própria vida, está ainda por realizar", acredita Minieri.