Mundo inteiro é um telescópio: como cientistas russos tornaram o espaço em observatório

© Sputnik / Oleg Urusov / Acessar o banco de imagensFoguete-portador Zenit-3SLBF lança observarório austrofísico Spektr-R desde o cosmódromo de Baikonur (foto de arquivo)
Foguete-portador Zenit-3SLBF lança observarório austrofísico Spektr-R desde o cosmódromo de Baikonur (foto de arquivo) - Sputnik Brasil
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Spektr-R é um observatório espacial russo lançado em julho de 2011. Este radiotelescópio pode ser considerado o observatório mais bem-sucedido na Rússia.

Ele é uma parte fundamental do interferômetro terrestre-espacial russo RadioAstron, que é composto, além do satélite russo, por dezenas de radiotelescópios terrestres, tanto na Rússia como em várias partes do mundo, incluindo EUA, África do Sul e Austrália.

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Yuri Kovalev, coordenador do projeto RadioAstron, e Dmitry Litvinov, da Universidade Estatal de Moscou, contam como o Spektr-R ajuda a verificar teoria da relatividade geral e muda a compreensão da organização do Universo.

Se falarmos em termos gerais sobre a técnica de observação do RadioAstron, é possível destacar que ela permite unir os radiotelescópios situados a distâncias enormes uns dos outros em uma antena gigante virtual. Para a montagem da antena é preciso ter três coisas: uma sincronização dos telescópios extremamente exata, um supercomputador que pode unificar os sinais e dados exatos sobre as distâncias entre os elementos da antena.

Esta metódica de observação garantiu ao RadioAstron um êxito insólito não cientifico: ele entrou no livro dos recordes Guinness como o maior radiotelescópio espacial.

Um termómetro para o buraco negro

No entanto, a lista dos alcances científicos do RadioAstron é bem mais ampla. Entre eles há descobrimentos que nos próximos anos podem mudar a compreensão sobre o surgimento e a vida das galáxias e como se comportam seus maiores habitantes inquietos — os buracos negros.

Ainda em 2013, Yuri Kovalev e seus colegas detectaram anomalias insólitas nos assim chamados jatos relativísticos, jatos extremamente poderosos de plasma. Os cientistas descobriram que as temperaturas destes jatos superam todos os limites teóricos das temperaturas. Até hoje, é bem difícil explicar o que está passando na realidade.

Com o RadioAstron a compreensão sobre que lugar ocupam os buracos negros no Universo virou mais complexa, destacou Kovalev. Os buracos negros nos centros das galáxias são a base da máquina que faz os quasares produzirem jatos poderosos de plasma. O buraco negro é responsável por duas coisas: formação de jatos e sua aceleração. Os dados do RadioAstron indicam que esta máquina deve acelerar ainda mais a substância que é jogada fora das galáxias mais rápido do que se supunha.

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Os cientistas hoje estão verificando várias teorias para explicar este fenômeno.

Resolvendo enigmas

Uma das teorias consiste na suposição que a forte radiação dos jatos tem origem em um processo semelhante ao surgimento das explosões e ejeções de matéria coronal do Sol. Durante este processo, as linhas do campo magnético se quebram e se produz uma grande quantidade de energia que acelera as partículas até velocidades que as fazem irradiar luz.

Se esta teoria está certa, devem existir muitos pontos de quebra na base dos jatos e são estes pontos que tentam encontrar Kavalev e sua equipe. Se os encontrarem, o enigma dos jatos dos buracos negros será descoberto.

Atualmente, os cientistas russos cooperam ativamente com seus colegas estrangeiros para explicar todos os fenômenos que encontraram. O interferômetro terrestre Event Horizon Telescope e o observatório ALMA também recolhem dados sobre jatos dos buracos negros. Segundo Kovalev, o ALMA dispõe de dados sobre o potencial dos campos magnéticos na área dos buracos negros supermaciços que podem ajudar na resolução do fenômeno.

Telescópio universal

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Muito antes de lançar o RadioAstron, foi planejado um projeto ainda mais ambicioso — um interferômetro interstelar. Uma das partes desta ferramenta seriam as nuvens do plasma interstelar que refratam e dispersam as ondas de rádio da fonte que depois interferem no ponto de recepção.

O RadioAstron ajudou a perceber que para a criação de um tal interferômetro basta apenas um grande telescópio terrestre. Kovalev explicou que os cientistas estavam disputando sobre o ponto de nascimento destes pontos da radiação. Foram apresentadas várias teorias que não podiam ser verificadas devido à ausência dos instrumentos necessários.

Tudo isso foi resolvido com o uso de uma nuvem de plasma interstelar em que os raios da estrela de nêutrons, o Pulsar do Caranguejo (PSR B0531+21), um dos mais famosos, se refratam como em uma lente gigante.

Como mostraram as medições, os feixes de ondas de rádio surgem pertos do cilindro luminoso, na fronteira da magnetosfera da estrela de nêutrons. Isso permitiu ao astrônomo russo e seus colegas canadenses descobrirem um dos enigmas do espaço que tem provocado disputas árduas nos meios científicos durante dezenas dos anos.

Relojoeiro espacial
Outro projeto único realizado pelo RadioAstron é a pesquisa sobre como a força de gravidade influi na passagem do tempo. Um experimento semelhante já foi conduzido pela NASA, mas para os cientistas russos este teste foi o primeiro da série.

"A influência da gravidade na velocidade do relógio é um fenômeno impressionante. Resulta que, perto de planetas, estrelas e buracos negros, ou seja, perto de qualquer corpo celeste maciço, o tempo desacelera. Um buraco negro é um caso especialmente interessante, pois perto dele o tempo não simplesmente desacelera, mas corre extremamente devagar. Mas mesmo em condições terrestres se pode detectar a influência da gravidade sobre a velocidade do relógio", explica Dmitry Litvinov, da Universidade Estatal de Moscou Lomonosov, membro do grupo gravitacional do projeto.

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Com a ajuda de um relógio atômico superpontual, criado pelos cientistas russos da cidade de Nizhny Novgorod para sincronizar o trabalho do RadioAstron com as estações de monitoramento terrestres e telescópios, já faz vários anos que Litvinov e seus colegas verificam uma das pedras angulares da teoria de relatividade, a que relaciona a gravidade com a velocidade do tempo em vários pontos de espaço.

Tais experimentos já foram levados a cabo, há mais de 40 anos a bordo da sonda Gravity Probe A e agora no par de sondas do sistema Galileo que saíram às órbitas erradas por causa dos erros no lançamento do Soyuz-STB em agosto de 2014.

Todos os três satélites, assinala Litvinov, indicam que as teorias de Einstein estão corretas, embora isto não impeça os cientistas de fazerem novas verificações.

"Por que hoje em dia surgiram dúvidas sobre a correção da fórmula de Einstein? A coisa é que muitos físicos estão seguros de que a teoria da gravidade de Einstein não está absolutamente certa. Em outras palavras, as fórmulas que definem a gravidade são um pouquinho diferentes das fórmulas de Einstein. A maior desvantagem da teoria de relatividade comum de Einstein consiste em que ela é clássica, ou seja, não é uma teoria quântica", explicou o cientista.

De acordo com Litvinov, quase todas as tentativas de tornar quântica a teoria da gravidade e uni-la com as outras interações fundamentais, formuladas na última década, necessitam de corrigir a teoria de relatividade comum e a sua descrição do fenômeno de desaceleração gravitacional do tempo. Quaisquer alterações que possam ser detectadas pelo Spektr-R e por outras sondas podem mostrar aos cientistas onde é que se deve buscar a substituição das teorias de Einstein.

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"Já hoje se pode dizer que o nosso experimento faz uma verificação independente da teoria da gravidade de Einstein, isto é, do seu princípio de equivalência, quase com a mesma precisão que a Gravity Probe A, ou seja, cerca de 0,01%. Ainda nos resta muito trabalho, dado que a maior parte dos dados está esperando por análise. Contamos que, ao final das contas, possamos melhorar a precisão dos cálculos em 10 vezes e, caso tivermos sorte, até detectar o desvio da fórmula de Einstein", resumiu o cientista.

Ver a sombra do invisível

Segundo assinalou Kovalev, é bem difícil prognosticar o prazo de serviço do Spektr-R, pois hoje em dia o telescópio está em bom estado, mas a degradação devido à radiação espacial é inevitável: vários blocos do satélite já foram substituídos por essa causa.

Caso apenas um dos módulos-chave do satélite deixe de funcionar, as capacidades do telescópio podem ficar limitadas. "Há pouco, esgotamos a reserva de hidrogênio que era usada para os padrões de frequência e tivemos que passar para o regime de sincronização de reserva", explicou o astrofísico.

Por outro lado, o Spektr-R não está passando por problemas na área em que a maioria das missões espaciais costuma se deparar com dificuldades, ou seja, com o estoque de combustível. Kovalev observa que hoje em dia os reservatórios do satélite contêm cerca de 70% do volume inicial, por isso a sonda pode facilmente passar por mais uma correção da órbita, caso seja necessário.

Do ponto de vista financeiro, a Roscosmos vai garantir o funcionamento do satélite até finais de 2019, após o que a agência tomará a decisão sobre mais um prolongamento ou cessação da missão.

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O interesse pelo RadioAstron por parte dos cientistas, assinala Kovalev, continua crescendo. Há esperança que o telescópio fique funcionando o máximo de tempo possível, o que permitirá estudar os objetos mais interessantes do Universo com uma definição recorde. Segundo Kovalev, em 22 de dezembro os chefes da missão vão anunciar o início da recepção de solicitações para observações do RadioAstron no âmbito do novo ciclo anual, de julho de 2018 até junho de 2019.

"Gostaríamos de ver o centro da nossa Galáxia com a ajuda do RadioAstron, bem como a sombra do buraco negro que lá tem. É uma tarefa muito difícil — efetuamos pesquisas no cumprimento menor de onda, 1,3 centímetros, em cooperação com muitos telescópios terrestres, mas mesmo neste caso ele continua invisível para nós. Esperamos que o efeito descoberto pelo RadioAstronom, ou seja, a subestrutura de dispersão das ondas de rádio, ajude a compor o mapa do próprio centro da Galáxia com o uso de algoritmos de reconstrução de imagens que estamos elaborando", concluiu.

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