Esta já é a segunda vez que a Turquia interfere militarmente no território sírio nos últimos anos. A primeira foi realizada no outono de 2016, com a operação batizada como Escudo de Eufrates, na sequência da formação de um enorme enclave curdo ao longo da fronteira sul turca.
Já em janeiro de 2018 a "última gota" para as autoridades turcas foi a iniciativa polêmica, expressa por Washington, conhecida pela sua longa experiência de apoio prestado aos curdos. A ideia consistiu em criar uma espécie de "forças de segurança" nas zonas controladas pelas milícias curdas apoiadas pelas Forças Democráticas da Síria (FDS).
Do ponto de vista do governo turco, para quem a questão curda tem sido uma grande dor de cabeça por muitos anos, isto representa uma tentativa de criar uma "cabeça de ponte estadunidense" situada perto da fronteira entre os dois Estados. Para Ancara, isto é um perigo sério, tanto mais que ela considera o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), vinculado com o "exército" curdo, as YPG, como organização terrorista.
Deste modo, as autoridades turcas declaram como a razão principal da sua campanha o desejo de limpar a zona fronteiriça da ameaça terrorista e criar uma zona tampão de 30 quilômetros. Este objetivo, embora não seja o único, foi de fato reconhecido por muitos outros atores estrangeiros, até pela Europa que, apelando cautelosamente para a moderação, não chegou a condenar publicamente a operação turca.
Entretanto, vale nebcionar que não se trata apenas de boas intenções de Erdogan para manter a integridade territorial tanto do seu próprio país quanto da Síria, mas também da sua estratégia geopolítica. No caso de terminar a operação com sucesso, o que é o mais provável, dada a preparação e experiência em combate dos militares turcos contra independentistas curdos, o presidente do país se provará como um líder forte, ganhando ainda mais pontos aos olhos dos seus próprios cidadãos, outras forças políticas na Turquia e inclusive da comunidade internacional.
Rússia apoia, mas cautelosamente
Segundo opina a maioria dos especialistas, Ancara não poderia ter ignorado a postura de Moscou, ator importantíssimo na região que aumentou drasticamente seu papel após a operação aérea bem-sucedida realizada contra os terroristas no território sírio. De fato, o presidente turco deixou claro: a Turquia tinha coordenado sua campanha com a Rússia com antecedência, e esta não apresentou objeções.
Por que isto aconteceu? Primeiro, é importante frisar que o Kremlin deu "luz verde" à intenção turca apenas após tentar todas as outras medidas conciliadoras. Sabe-se que a Rússia por repetidas vezes convidou os curdos à mesa de negociações em torno da crise síria, mas sem grande sucesso.
Até à situação de hoje, como comunicaram os próprios curdos, Moscou inicialmente tinha lhes proposto entregarem os territórios controlados por eles ao governo de Assad, matando "dois coelhos" ao mesmo tempo, ou seja, garantindo a segurança para si e a integridade territorial para a Síria.
Porém, como não é difícil de adivinhar, recebeu uma recusa. Os curdos, de novo, optaram por contar com a ajuda estadunidense que, por sua vez, não chegou.
Terceiro, se trata também de uma corrida geopolítica. De fato, a atual operação turca e a insegurança em Afrin, enclave cercado por territórios rivais e separado de outras áreas curdas, é mais um golpe duro contra o renome de Washington como grande ator no Oriente Médio e outra prova de que a Casa Branca acabou por ficar fora do jogo na resolução da crise síria, tudo isto no contexto da ascensão diplomática e militar russa nos mesmos territórios.
Derrota dos EUA?
No contexto da "aventura" turca em Afrin, Washington de fato "lavou as mãos", deixando ao seu destino uma força que tinha apoiado por muito tempo.
Mas por que, então, o Pentágono decidiu abandonar a força que tinha apoiado com tal zelo ao longo de décadas? A maioria dos especialistas afirma que a perspectiva de uma confrontação militar com a Turquia seria um preço alto demais a pagar pela oportunidade de interferência limitada no território sírio.
Caso os EUA tivessem acabado por decidir defender sua "criatura", os curdos sírios, isto significaria de fato uma guerra aberta com a Turquia, a segunda maior potência militar da OTAN, e o consequente eventual colapso do bloco. Em vez disso, Washington decidiu seguir sua histórica regra de fidelidade aos interesses nacionais (optar por aquilo que é mais vantajoso) e não arriscar.