Fruto desse trabalho, a ONU está divulgando três vídeos que mostram aspirações, dificuldades e sonhos desse contingente de mulheres que buscam uma nova vida no país, fugindo, a cada vez e em maior número, da grave crise econômica, social e política que vem agravando a situação do país vizinho nos últimos anos.
Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, o porta-voz da ACNUR ressalta a importância desse trabalho, desenvolvido também em parceria com a Rede Acolher da UFRR, do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, da Organização Internacional para as Migrações (OIM) e outras entidades não-governamentais (ONGs).
"Essa é uma situação bastante complexa em que estamos trabalhando não só no terreno com nossas equipes, mas também em parcerias com outras ONGs para tentar apoiar as respostas que as autoridades locais têm dado a essa situação. A campanha tenta discutir e reduzir algum tipo de intolerância e xenofobia que se tem observado em Roraima", diz o porta-voz da ACNUR, observando que esse fenômeno não é exclusivo do Brasil e tem se repetido em outros países fora da região
Godinho afirma que a ACNUR tem trabalhado com autoridades estaduais e também federais para dar uma resposta adequada às necessidades dessas pessoas, seja no cadastramento, na orientação por emprego, em questões de serviços de saúde e na gestão de abrigos. O porta-voz não vê tratamento diferenciado por parte do governo brasileiro nos pedidos de acolhimento feitos por migrantes do Haiti e da Venezuela. Segundo ele, o Brasil tem procurado atender a ambos da mesma maneira.
"No caso dos venezuelanos foi criada, inclusive, uma resolução que facilita a concessão de residência temporária. São situações diferentes e não cabe comparação. O Brasil responde dentro da capacidade que tem", diz Godinho. O visto temporário tem validade de dois anos, período no qual o migrante pode dar entrada em um pedido de visto permanente ou de refúgio.
Também em entrevista à Sputnik Brasil, Marcela Ulhoa, consultora do Fundo de População da Nações Unidas, diz que os três vídeos produzidos (E se fosse Você? Eu sou, eu sonho e Elas somos nós) tentam sensibilizar a população brasileira para o drama das venezuelanas que chegam ao país muitas vezes sós e com seus filhos. A importância desse trabalho se dá também pelo fato de que Roraima é o estado brasileiro com maior índice de feminicídio do país.
"Notamos a necessidade de sensibilizar a população local no que diz respeito à imigração. Boa Vista é uma cidade pequena de 300 e poucos mil habitantes e que não estava acostumada a ver gente na rua pedindo dinheiro, lavando carros, o que acabou criando uma certa aversão da população. A ideia era mostrar que aquela população que está na rua é gente como a gente, que tem uma história, que não gostaria de estar aqui. Ninguém gostaria de sair do seu lar, da sua casa, deixar uma profissão para lavar um carro na rua", afirma a consultora.
Marcela chama a atenção para um estudo da OIM que revela que do 1 milhão de pessoas deslocadas hoje pelo mundo metade corresponde à população feminina de todas as idades. No caso de Roraima, a consultora destaca alguns dados significativos, como o fato de que a maioria das venezuelanas que chegam terem um grau de instrução maior do que o dos homens, embora tenham condições de trabalho muito piores e recebam pagamentos inferiores, cenário que, segundo ela, também é vivido pelas brasileiras.
"O desafio de ser mulher é ser mulher, independentemente de sua nacionalidade. As mulheres (venezuelanas) têm um sonho maior, de aumentar sua formação acadêmica e conseguir um trabalho. Tem muitas mulheres que vieram com seus filhos que desejam isso, assim como as que vieram sozinhas. Uma mulher brasileira, sozinha, jovem, que vai para o exterior também carrega um estereótipo", diz Marcela.
Quanto aos motivos que fazem as venezuelanas deixarem o país, a consultora do Fundo de População das Nações Unidas afirma que eles são vários, como a instabilidade política, a desvalorização da moeda, a inflação, as dificuldades de abastecimento, em especial de gêneros alimentícios, e a violência.