A análise é de Héctor Luis de Saint Pierre, coordenador executivo do Instituto de Políticas Públicas e de Relações Internacionais (IPPRI) da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Falando à Sputnik Brasil, Saint Pierre diz que esse conceito não se dá apenas hoje no plano das ideais, mas é fruto do trabalho de cooperação entre o instituto é a Associação Russo-Latinoamericana de Estudos Estratégicos (ARLEE), entidade criada no final do ano passado e que tem como objetivo debater propostas que visem a assegurar propostas para o desenvolvimento, segurança e soberania dos países da região, bem como discutir questões de comunicação estratégica com ênfase na guerra psicológica-informativa.
Saint Pierre lembra que a criação da ARLEE decorreu, entre outras, da iniciativa do Centro Internacional de Investigações Sócio-Políticas e de Consultoria (CIISPC), que prepara estudos com a participação de 70 especialistas de 19 países europeus, asiáticos e latino-americanos. Hoje, a ARLEE conta em seus quadros com 50 especialistas da Rússia e de sete países da América Latina.
"A ARLEE tem como objetivo aproximar duas esferas de reflexão sobre as áreas de defesa, forças armadas, estratégia, guerra psicológica que eram até agora mais ou menos separadas. A ideia é juntar pesquisadores latino-americanos e russos dessas áreas e do Leste Europeu para discutir questões comuns, já que a segurança internacional é um patrimônio da Humanidade. Estamos pensando em incorporar também pesquisadores da China e do Oriente Médio, oferecendo assim uma perspectiva de reflexões na área de segurança internacional mais descompromissada com a do Ocidente, de leitura anglo-saxônica," explica o coordenador do IPPRI.
Saint Pierre diz que o mundo está cada vez mais perigoso e por isso é importante se pensar o mundo de uma maneira diferente, por caminhos que não sejam os da ameaça e da imposição, a fim de evitar uma escalada que se está produzindo. O especialista afirma que a posse de presidentes neoliberais na América Latina, porém, está enfraquecendo esse processo de debate.
"A novidade em todo esse processo é a reflexão russa. A Rússia procura novamente um lugar de destaque no mundo, a política russa está procurando se apresentar não só na América Latina, mas em todo o mundo. É preciso conhecer o pensamento russo contemporâneo e o papel que a Rússia está novamente desempenhando como um ator importante na política global. Putin recuperou a presença russa em várias partes de conflitos no mundo, e isso interessa para colaborar na reflexão internacional para que se procure resolver os conflitos de maneira pacífica", diz Saint Pierre.
O coordenador do IPPRI lembra que durante o período de governos populares na região — como na Argentina, Bolívia, Peru, Brasil e Venezuela — houve uma crescente aproximação desses países em relação ao Conselho de Defesa Sul-Americano e à Escola Sul-Americana de Defesa, dirigido por um brasileiro, Antônio Jorge Ramalho. Segundo Saint Pierre, o que se procurava, do ponto de vista da segurança internacional e da defesa, era poder dizer não, "sem impor nossa vontade a ninguém, mas impedir que nos seja imposta uma vontade".
"Hoje essa vontade não foi imposta porque foi aceita de bom grado (pelos governos locais). Há uma predisposição negativa com relação à cooperação sul-americana. Muito tinha se avançado nos governos de Kirchner, Lula, Rafael Correa, Evo Morales e Hugo Chávez, inclusive com as dificuldades que trouxe a Colômbia, exigindo que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs) fossem reconhecidas como um grupo terrorista, mas a América do Sul se recusou a esse tipo de tipologia. Apesar disso, a Colômbia também entrou no Conselho de Defesa Sul-americano", observa Saint Pierre.
O coordenador do IPPRI atribui também a maior presença da Rússia e da China na América Latina ao que ele qualifica de "a década de sonambulismo estratégico" na qual entraram os EUA, cada vez mais empenhados na luta contra grupos terroristas. Na opinião de Saint Pierre, esse "esquecimento" americano da América Latina pode acarretar riscos geopolíticos nos futuro, na medida em que o Atlântico Sul pode vir a se converter no próximo cenário de conflito mundial, isso porque, pela região, passam cerca de 80% dos interesses comerciais da China.
Para discutir esse e outros assuntos o IPPRI vai realizar, de 5 a 7 de setembro, em São Paulo, um grande painel de debates envolvendo especialistas também da Associação Russo-Latinoamericana de Estudos Estratégicos.