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'Tudo que tem política e envolve Forças Armadas não acaba bem', diz analista

© Foto / Marcelo Camargo/Agência BrasilGeneral Walter Souza Braga Netto, responsável pelo Comando Militar do Leste e indicado como interventor responsável pelas forças de segurança e o sistema prisional do Rio de Janeiro /
General Walter Souza Braga Netto, responsável pelo Comando Militar do Leste e indicado como interventor responsável pelas forças de segurança e o sistema prisional do Rio de Janeiro / - Sputnik Brasil
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A Sputnik Brasil conversou com Ricardo Gennari, diretor-executivo da Tróia Intelligence, Think Tank especializado em Segurança Pública. Ricardo nos respondeu sobre política de segurança, letalidade do Exército, e sobre o impacto na população mais carente.

Após o decreto de Intervenção Federal de caráter Militar no Rio de Janeiro, instalou-se a polêmica no país sob um novo capítulo do tumultuado governo de Michel Temer.

Em ano eleitoral, as ações do governo se voltam cada vez mais à segurança pública. Com o passar dos dias fica evidente o caráter político da medida e salta aos olhos que o ônus da operação cairá sobre os ombros da população pobre e negra do Estado.

Ricardo Gennari, concorda com essa avaliação, e acredita que podemos esperar mais problemas advindos dessa operação.

"Essa proposta tem um viés político. E tudo que tem política e envolve Forças Armadas com polícia, não acaba bem", afirma.

Apesar da aprovação do decreto, a operação ainda não começou oficialmente e o governo não divulgou nem plano, nem orçamento para as ações do exército. Para Gennari, a operação já está em vigor, pois desde o ano passado vale no estado um decreto de Garantia da Lei e da Ordem, com presença do Exército e da Força Nacional.

"O militar, o soldado, seja soldado ou general, é feito para matar"

Uma das maiores preocupações demonstradas pela opinião pública tem sido a utilização das Forças Armadas para esse tipo de operação. Diferente da polícia, as Forças Armadas tem como princípio defender a nação de um inimigo, geralmente estrangeiro. Portanto, o treinamento e a ação de um soldado do Exército utilizam outros fundamentos, e têm o foco na ação.

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Para Ricardo Gennari, "O militar, o soldado, seja soldado ou general, é feito para matar. Porque ele está defendendo o país, é guerra. Aqui [Rio de Janeiro], como eu disse, ele [o soldado ou militar] não vai usar esses instrumentos de guerra, mas vai entrar em confronto".

As áreas das operações no estado têm se concentrado em locais de periferia, mas para Ricardo, não é só lá que estão os traficantes. "Com certeza as áreas que serão mais atingidas vão ser a da população mais carente. A gente sabe que tem traficante no morro e a gente sabe que tem na Vieira Souto [avenida na orla de Ipanema] também e na Barra da Tijuca", afirma. Para ele, a política mais adequada seria a de operar em todos os níveis da sociedade, com ações conjuntas do Judiciário e do Ministério Público.

"Você também tem que fazer um processo de ir aonde está o recurso, é o famoso 'follow the money' […], o governo tem que ver a questão financeira. Para onde estão indo esses recursos? Por onde está passando? Porque a droga é dinheiro, você compra armas com dinheiro", concluiu Ricardo Gennari.

Na segurança, política pública do improviso e do encarceramento

"O Brasil, até hoje, nunca teve uma política de segurança pública eficiente", afirma o analista do Think Tank Tróia Intelligence. Uma das maiores preocupações do especialista é a falta de organização do governo em relação à segurança pública, que é tratada na base do improviso e da bala. Para ele, falta seriedade no trato com a segurança pública no país. O modelo vigente insiste em um formato improvisado, com elevados índices de letalidade e encarceramento.

Em 2017, o Brasil registrou 61.283 assassinatos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além disso, segundo dados do Infopen, se tornou a terceira maior população carcerária do mundo. Nos últimos 11 anos a continuidade e aprofundamento dessa política dobrou o número de presos no Brasil.

"Os governantes brasileiros, os nossos representantes, também o Legislativo, eles nunca se preocuparam com isso. Então, quer dizer, sempre tudo foi na hora. Nós já tivemos mais de 5 planos nacionais de segurança. Efetivamente nós nunca vimos nada de efetivo", afirma o diretor-executivo. Para ele, há também a necessidade de garantir todos os recursos necessários para a plena ação do Exército.

Além do prejuízo enorme causado às populações nas áreas mais pobres, frequentes alvos desse tipo de ação, a política de segurança pública do país dá espaço ao poder paralelo, pois o Estado se ausenta de sua responsabilidade.

"Só que é aquela história, o vácuo de poder alguém vem e ocupa. O crime organizado vem crescendo. Então, virou um negócio muito grande.[…] E o Estado nunca acompanhou isso como deveria acompanhar", afirma Gennari. Para ele, há risco de a situação no país se tornar incontrolável, o que seria culpa principalmente da falta de planejamento dos governos.

Crise é também de confiança

Muita desconfiança gira em torno da operação devido ao histórico de ações do Exército no Rio de Janeiro. Logo após o anúncio, as redes sociais se encheram de críticas e ações de conscientização. Um grupos de jovens negros chegou a divulgar um vídeo que foi visto milhões de vezes, em que explicam procedimentos de abordagem e formas de evitar violência por parte das forças de segurança.

Uma das medidas mais polêmicas que poderia acompanhar a Intervenção Federal seria a possibilidade de mandados coletivos para entrar nas comunidades.

Em março de 2014, ainda sob o governo de Dilma Rousseff, do PT, o complexo de favelas da Maré foi ocupado pelo Exército, e um mandado de busca e apreensão coletivo foi emitido pela Justiça do Rio para que a Polícia Civil, por meio de seus delegados, pudesse fazer revistas nas favelas da região. A Intervenção Federal de 2018 no Rio pode ser a primeira do tipo desde 1988, no entanto, pelo menos desde 1992, o Exército Brasileiro foi utilizado 37 vezes em ações no estado.

Em mais de uma ocasião, o comandante geral do Exército Brasileiro, o general Eduardo Villas Bôas, demonstrou descontentamento com o constante emprego das Forças Armadas nessa situação.

No entanto, o próprio general deu declarações controversas durante a reunião do Conselho da República, órgão consultivo que deve ser ouvido antes de uma intervenção. O general pediu "garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade", referindo-se à Comissão instalada no Governo de Dilma Rousseff para avaliar crimes e abusos realizados durante a ditadura. A polêmica declaração demonstra mais de um nível de descontentamento, já que Villas Bôas também exigiu recursos para a execução da intervenção.

No ano passado, a aprovação da Lei Nº 13.291/2017 também gerou polêmica, ao transferir o julgamento de crimes contra civis cometidos por militares para a própria Justiça Militar, o que para os movimentos sociais criaria impunidade.

Governo dá guinada em direção à segurança pública

Com o apoio do presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um pacote de medidas de segurança pública deve começar a ser discutido já na próxima semana na Câmara dos Deputados.

Um dos itens mais polêmicos seria a mudança na legislação de porte de armas, que ficaria facilitada, uma proposta da chamada bancada da bala.

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Um projeto desse teor já foi aprovado na comissão especial da Câmara, com relatoria do deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que afirmou à imprensa que o projeto também poderia incluir a possibilidade de o portador da arma poder levá-la para as ruas.

Além disso, o projeto de Sistema Único de Segurança Pública (Susp) com articulação estabelecendo regras gerais para as polícias Militar, Civil, Federal Bombeiros e Força Nacional. O texto é do Executivo e circula desde 2012 e conta com a articulação de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) indicado por Temer quando ainda era Ministro da Justiça.

Caso criado, o Susp será subordinado ao novo Ministério da Segurança Pública, confirmado pelo governo apenas um dia após o decreto de Intervenção Federal.

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