Após o decreto de Intervenção Federal de caráter Militar no Rio de Janeiro, instalou-se a polêmica no país sob um novo capítulo do tumultuado governo de Michel Temer.
Em ano eleitoral, as ações do governo se voltam cada vez mais à segurança pública. Com o passar dos dias fica evidente o caráter político da medida e salta aos olhos que o ônus da operação cairá sobre os ombros da população pobre e negra do Estado.
Ricardo Gennari, concorda com essa avaliação, e acredita que podemos esperar mais problemas advindos dessa operação.
"Essa proposta tem um viés político. E tudo que tem política e envolve Forças Armadas com polícia, não acaba bem", afirma.
Apesar da aprovação do decreto, a operação ainda não começou oficialmente e o governo não divulgou nem plano, nem orçamento para as ações do exército. Para Gennari, a operação já está em vigor, pois desde o ano passado vale no estado um decreto de Garantia da Lei e da Ordem, com presença do Exército e da Força Nacional.
"O militar, o soldado, seja soldado ou general, é feito para matar"
Uma das maiores preocupações demonstradas pela opinião pública tem sido a utilização das Forças Armadas para esse tipo de operação. Diferente da polícia, as Forças Armadas tem como princípio defender a nação de um inimigo, geralmente estrangeiro. Portanto, o treinamento e a ação de um soldado do Exército utilizam outros fundamentos, e têm o foco na ação.
As áreas das operações no estado têm se concentrado em locais de periferia, mas para Ricardo, não é só lá que estão os traficantes. "Com certeza as áreas que serão mais atingidas vão ser a da população mais carente. A gente sabe que tem traficante no morro e a gente sabe que tem na Vieira Souto [avenida na orla de Ipanema] também e na Barra da Tijuca", afirma. Para ele, a política mais adequada seria a de operar em todos os níveis da sociedade, com ações conjuntas do Judiciário e do Ministério Público.
"Você também tem que fazer um processo de ir aonde está o recurso, é o famoso 'follow the money' […], o governo tem que ver a questão financeira. Para onde estão indo esses recursos? Por onde está passando? Porque a droga é dinheiro, você compra armas com dinheiro", concluiu Ricardo Gennari.
Na segurança, política pública do improviso e do encarceramento
"O Brasil, até hoje, nunca teve uma política de segurança pública eficiente", afirma o analista do Think Tank Tróia Intelligence. Uma das maiores preocupações do especialista é a falta de organização do governo em relação à segurança pública, que é tratada na base do improviso e da bala. Para ele, falta seriedade no trato com a segurança pública no país. O modelo vigente insiste em um formato improvisado, com elevados índices de letalidade e encarceramento.
Em 2017, o Brasil registrou 61.283 assassinatos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além disso, segundo dados do Infopen, se tornou a terceira maior população carcerária do mundo. Nos últimos 11 anos a continuidade e aprofundamento dessa política dobrou o número de presos no Brasil.
"Os governantes brasileiros, os nossos representantes, também o Legislativo, eles nunca se preocuparam com isso. Então, quer dizer, sempre tudo foi na hora. Nós já tivemos mais de 5 planos nacionais de segurança. Efetivamente nós nunca vimos nada de efetivo", afirma o diretor-executivo. Para ele, há também a necessidade de garantir todos os recursos necessários para a plena ação do Exército.
Além do prejuízo enorme causado às populações nas áreas mais pobres, frequentes alvos desse tipo de ação, a política de segurança pública do país dá espaço ao poder paralelo, pois o Estado se ausenta de sua responsabilidade.
"Só que é aquela história, o vácuo de poder alguém vem e ocupa. O crime organizado vem crescendo. Então, virou um negócio muito grande.[…] E o Estado nunca acompanhou isso como deveria acompanhar", afirma Gennari. Para ele, há risco de a situação no país se tornar incontrolável, o que seria culpa principalmente da falta de planejamento dos governos.
Crise é também de confiança
Muita desconfiança gira em torno da operação devido ao histórico de ações do Exército no Rio de Janeiro. Logo após o anúncio, as redes sociais se encheram de críticas e ações de conscientização. Um grupos de jovens negros chegou a divulgar um vídeo que foi visto milhões de vezes, em que explicam procedimentos de abordagem e formas de evitar violência por parte das forças de segurança.
Uma das medidas mais polêmicas que poderia acompanhar a Intervenção Federal seria a possibilidade de mandados coletivos para entrar nas comunidades.
Em março de 2014, ainda sob o governo de Dilma Rousseff, do PT, o complexo de favelas da Maré foi ocupado pelo Exército, e um mandado de busca e apreensão coletivo foi emitido pela Justiça do Rio para que a Polícia Civil, por meio de seus delegados, pudesse fazer revistas nas favelas da região. A Intervenção Federal de 2018 no Rio pode ser a primeira do tipo desde 1988, no entanto, pelo menos desde 1992, o Exército Brasileiro foi utilizado 37 vezes em ações no estado.
Em mais de uma ocasião, o comandante geral do Exército Brasileiro, o general Eduardo Villas Bôas, demonstrou descontentamento com o constante emprego das Forças Armadas nessa situação.
Preocupa-me o constante emprego do @exercitooficial em “intervenções” (GLO) nos Estados. Só no RN, as FA já foram usadas 3 X, em 18 meses. A segurança pública precisa ser tratada pelos Estados com prioridade “Zero”. Os números da violência corroboram as minhas palavras.
— General Villas Boas (@Gen_VillasBoas) 30 de dezembro de 2017
No entanto, o próprio general deu declarações controversas durante a reunião do Conselho da República, órgão consultivo que deve ser ouvido antes de uma intervenção. O general pediu "garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade", referindo-se à Comissão instalada no Governo de Dilma Rousseff para avaliar crimes e abusos realizados durante a ditadura. A polêmica declaração demonstra mais de um nível de descontentamento, já que Villas Bôas também exigiu recursos para a execução da intervenção.
No ano passado, a aprovação da Lei Nº 13.291/2017 também gerou polêmica, ao transferir o julgamento de crimes contra civis cometidos por militares para a própria Justiça Militar, o que para os movimentos sociais criaria impunidade.
Governo dá guinada em direção à segurança pública
Com o apoio do presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um pacote de medidas de segurança pública deve começar a ser discutido já na próxima semana na Câmara dos Deputados.
Um dos itens mais polêmicos seria a mudança na legislação de porte de armas, que ficaria facilitada, uma proposta da chamada bancada da bala.
Além disso, o projeto de Sistema Único de Segurança Pública (Susp) com articulação estabelecendo regras gerais para as polícias Militar, Civil, Federal Bombeiros e Força Nacional. O texto é do Executivo e circula desde 2012 e conta com a articulação de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) indicado por Temer quando ainda era Ministro da Justiça.
Caso criado, o Susp será subordinado ao novo Ministério da Segurança Pública, confirmado pelo governo apenas um dia após o decreto de Intervenção Federal.