A exposição, inicialmente aberta em Porto Alegre, foi cancelada no ano passado pelo Santander Cultural, que preferiu não lidar com as críticas dos movimentos conservadores ao teor da mostra. Segundo vídeos e matérias divulgadas na época por grupos de direita, a mostra seria imoral e faria apologia à pedofilia e zoofilia.
As acusações, no entanto, não foram reconhecidas pelo Ministério Público, e o Museu de Arte do Rio (MAR) resolveu abrir as portas para o evento "expulso" do Rio Grande do Sul.
No entanto, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, decidiu entrar em cena e, de forma irônica e resoluta, vetou a exposição nas instalações do MAR, que pertencem à Prefeitura. Crivella é um notório membro da bancada evangélica e já foi criticado diversas vezes durante a sua gestão por retirar o apoio municipal a eventos que vão de encontro às causas das igrejas protestantes, inclusive do Carnaval.
Nesse caso, foi a vez de setores e organizações civis, bem como da comunidade LGBTQIA+, de denunciar. Se trata de censura, segundo estes.
O argumento seria: se Santander Cultural é uma instituição privada, que não precisa justificar seus motivos, o prefeito não pode fazer afirmações categóricas em nome da população de uma cidade, sem consultar a mesma.
Veja o vídeo da campanha:
Sputnik Brasil conversou com Felipe Caruso, consultor de financiamento coletivo da empresa Bando, que desenvolveu a estratégia da campanha realizada na plataforma de crowdfunding Benfeitoria, que também criticou a postura do prefeito.
"A partir do momento a censura sai de um banco privado e passa a ser feita por um prefeito de uma cidade — e não uma cidade qualquer, mas Rio de Janeiro, que é uma vitrine e a capital cultural do país, uma das cidades mais diversas do mundo — a censura ganha uma outra proporção. Ela se torna oficial e se torna pública", disse o interlocutor da agência.
Segundo o consultor, já existia uma campanha pronta para ser lançada e captar os recursos para a exposição no MAR, no valor de R$ 300 mil. Com o cancelamento, a Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage disponibilizou o seu espaço.
Fazer uma exposição na Escola de Artes Visuais, no entanto, envolvia muitos outros gastos. O evento precisaria ser feito nas cavalariças do Parque Lage, um local que necessita de adaptação para receber as mais de 260 obras de 80 artistas do calibre de Candido Portinari, Alberto Guignard, Lygia Clark e Adriana Varejão.
Essa primeira meta foi alcançada em menos de dois meses, graças aos artistas que cederam obras, realizaram um leilão.
O apoio contou com nomes de peso, como Caetano Veloso, que realizou um concerto para arrecadar fundos. E as metas foram sendo ampliadas para R$ 800 mil, e depois para R$ 1 milhão, com objetivo de criar uma plataforma de debates sobre liberdade de expressão e contra a censura.
"Mostramos toda a variedade de pessoas, artistas e na sociedade civil se mobilizando e respondendo ao prefeito", disse Caruso.
"Quando o prefeito faz o vídeo ironizando a exposição, dizendo que o carioca não quer exposição com pedofilia e zoofilia, ele mente, pois não há nem pedofilia, nem zoofilia comprovada pelo Ministério Público. E em segundo lugar, ele não pode falar pelos cariocas", acrescentou.
"Então esse financiamento coletivo é uma resposta. Uma resposta à censura. Uma resposta ao autoritarismo. Uma resposta ao falso moralismo e essas forças obscuras que vêm atacando a democracia e a liberdade nos últimos tempos no Brasil", concluiu.
Após bater a meta de R$ 1 milhão, com apoio de quase 1700 pessoas, esta passou a ser a maior campanha de crowdfunding já realizada no Brasil.
Segundo Caruso, a cultura sempre utilizou o financiamento coletivo, apesar de outras grandes campanhas terem sido feitas para produtos e na área social.
Uma das críticas feitas por movimentos conservadores à mostra era a de que foi feita com apoio da Lei Rouanet. Dessa vez, a mostra é integralmente financiada pelas pessoas e pelo setor privado, legitimando, ao seu ver, a campanha.