No âmbito do 4.º Fórum de Economia Internacional de Yalta, os delegados de 71 países vieram à península recém-integrada na Rússia para discutir os assuntos mais atuais da agenda internacional. Assim, nesse ano o evento contou com a delegação excepcionalmente numerosa da Síria, que fez questão de ponderar as questões da reconstrução nacional no período pós-guerra. Ou, por exemplo, muitos participantes da Itália, Alemanha e do Leste Europeu que se destacaram pela atitude oposta à atual política de sanções.
Nesse tradicional alvoroço de um evento a escala tão alta, não era nada fácil encontrar um participante latino-americano. Porém, a Sputnik Brasil conseguiu — e discutiu toda a gama de assuntos internacionais — com o único brasileiro que viajou até a cidade de Yalta, na Crimeia, para participar do evento nesses belos dias de primavera na península.
Henrique Domingues: Eu fui indicado pela Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes para fazer parte do Comitê Organizador Internacional do Festival que aconteceu aqui na Rússia no ano passado. E aí, morei três meses aqui, organizamos o festival, conhecemos bastante gente. Durante o festival, a gente criou uma Organização da Juventude dos Estudantes dos BRICS, a Youth Students League [Liga de Jovens Estudantes], e desde então a gente vai trabalhando para poder implementar [de maneira] institucional e oficialmente essa organização junto com governos, com as organizações de juventude dos governos, a Agência Nacional de Desenvolvimento da Juventude da África do Sul, a Secretaria Nacional de Juventude do Brasil, o Ministério da Juventude aqui da Rússia e por aí vai.
Segundo nos revelou Henrique, jovem ambicioso e com ar de muita fé naquilo que faz, sua organização prepara uma série de propostas, que de fato representa uma agenda que ele está tentando implementar no nível mais alto, já entre governo e presidentes. Assim, o primeiro passo disso tudo seria aprovar a Constituição da entidade, coisa que provavelmente acontecerá na Cúpula da Juventude dos BRICS, uma semana no máximo antes da cúpula principal.
"A ideia é fortalecer o BRICS pela base, pelo povo", afirma Domingues. "Porque a gente sabe que a ideia dos BRICS vem sofrendo uma série de ataques externos, todas essas desestabilizações que aconteceram no mundo — o impeachment da presidente [Dilma Rousseff] no meu país, a prisão do ex-presidente Lula no Brasil, a questão da Ucrânia e agora da Síria, uma tentativa de provocar russos, a pressão para o presidente [Jacob] Zuma se renunciar na África do Sul, a guerra econômica contra a China…", lamenta.
Na opinião do jovem, todos esses processos têm a ver, além de outras coisas, com as tentativas de "desarticular a iniciativa dos BRICS", que é uma oportunidade nova de desenvolvimento no mundo. Mas não se trata de uma criação de nova ordem mundial, como alguns poderiam pensar. Trata-se de modificação, ou, de fato, assinala Henrique, das aspirações "de criar um novo modelo de desenvolvimento e de economia, talvez mais solidário, talvez mais inclusivo".
Domingues realça em nossa conversa que, de fato, a cúpula anual dos BRICS da qual todos nós costumamos ouvir tanto é um evento onde é celebrado toda o montante de trabalho de inúmeros grupos internacionais, seja de estudantes ou de empresários.
Sputnik: Na cúpula dos BRICS em Xiamen [China] no ano passado, Pequim decidiu propor um novo formato dos BRICS+. Será que esse formato também se aplica na sua organização, se convidarem os estudantes de outros países não participantes do bloco?
HD: Na verdade, quando a gente criou a iniciativa no Festival Mundial [de Juventude] de Sochi, a juventude de muitos outros países participou da ocasião de lançamento e da celebração do acordo entre as organizações fundadoras, apoiando e pedindo participar também. Então, a nossa ideia é poder incluir cada vez mais jovens na órbita dos BRICS para que a gente consiga qualificar e pluralizar cada vez mais a atuação dos BRICS, porque é para isso que os BRICS servem mesmo. Mas na última reunião que a gente teve lá, na África do Sul, a gente teve uma oportunidade maravilhosa de encontrar com o presidente Jacob Zuma, ex-presidente da África do Sul, e ele nos deu uma opinião muito interessante: que na verdade os BRICS têm representantes em todos os continentes, em todas as áreas do globo, exceto do Oriente Médio. Então, o presidente Zuma nos convenceu de que talvez chamar o Irã para participar dos BRICS institucionalmente, que é um dos países mais fortes ali da região, seja benéfico para a organização dos BRICS.
"Dá para sentir. De fato, os BRICS correm perigo. Não por parte nem da Rússia, nem da África do Sul, apesar do que aconteceu lá, e tampouco da China. Mas na Índia, onde o atual governo foi apoiado pelos EUA, pelas forças tradicionais imperialistas, e no Brasil, que está dentro de todo esse cenário latino-americano, o cenário que passa hoje por golpes de Estado, como aconteceu no Honduras, no Paraguai e no próprio Brasil, ou por uma ascensão de governos de direita no continente, como aconteceu agora no Chile e na Argentina com todo o apoio da estrutura midiática dos Estados Unidos da América", analisa o entusiástico.
Na sequência destes acontecimentos, os BRICS deixaram de ser prioridade para o Brasil, acredita o jovem, e com troca do governo o Itamaraty "deu uma guinada no tipo de política estrangeira e está mais alinhada agora com os EUA e a União Europeia". Domingues foi bem consistente na sua avaliação da tormentosa política interna no Brasil hoje em dia. Pensa inclusive que as perturbações que se deram no país influíram, afinal das contas, no seu potencial como ator na arena diplomática.
Nessa situação, ressalta que da juventude virá aquele ator que é capaz de contribuir para a consolidação do bloco, unindo-o "pela base". Por isso, tais iniciativas como o Fórum de Yalta proporcionam uma chance a não perder para os ambiciosos participantes do movimento YSL.
HD: Lá no Brasil eles tentaram passar essa impressão das eleições [realizadas] com muitos soldados em volta e tal quando teve um referendo para saber se a Crimeia faz parte da Ucrânia ou da Rússia. Mas mesmo assim, do meu ponto de vista, as notícias da Ucrânia eram assustadoras também: aquela guerra civil que teve, financiada pelos donos do mundo hoje, no intuito de fazer acender um governo mais autoritário, ultranacionalista e tudo mais. Para mim, o que aconteceu na Crimeia foi uma resposta de alto nível da própria Rússia. Enquanto em Kiev eles usaram armas e mataram pessoas para chegar ao poder, aqui [na Crimeia] abriram urnas e perguntaram ao povo o que eles pensavam o que deveria ser a Crimeia. Então, para mim, foi muito positivo o que aconteceu aqui. Eu vejo a Crimeia como um ponto de forte resistência a essa escalada neofascista que a gente tem passado no mundo hoje.