Mais de 25 milhões de mortes, inúmeras famílias divididas, lágrimas derramadas, muita fome e muito sacrifício. É isso que significa a guerra para o povo russo. Este grande dia o faz voltar a agradecer a seus antepassados pela sua façanha e "céu limpo em cima da cabeça", e continua sendo uma lembrança de como a paz é frágil e ao que se pode levar a obsessão humana com ideias radicais.
Talvez este dia não conseguir deixar nenhum russo indiferente tenha a ver também com a "presença" constante dos vestígios da guerra em sociedade. A coisa é que na época da Segunda Guerra Mundial, todos os homens, inclusive os mais jovens, bem como as mulheres, eram mobilizados para combater nazismo alemão em campo de batalha e na retaguarda. É por isso que na Rússia moderna é quase impossível encontrar uma família não afetada por esse terror.
Algumas famílias tiveram sorte de chegar a ver seus heróis que tinham alcançado a própria Berlim para declarar vitória. Outras nunca chegaram a reencontrar os seus mais próximos. Em qualquer caso, cada criança na Rússia, inclusive a própria autora, desde pequenina ouve falar dos seus avôs e avós envolvidos em guerra, vê suas medalhas e cresce com a consciência desse heroísmo.
Contudo, existem desentendimentos também. Há quem considere, por exemplo, inclusive entre os apoiadores do chamado "liberalismo", que tal "afeição" ao passado não é correta, que a Rússia não pode sempre viver em épocas passadas. Mas estes "patriotas" infelizmente não entendem uma coisa vital — sem respeitar os méritos do passado e aprender sobre seus pesadelos, nenhum povo pode ir em frente.
A Parada da Vitória, ao contrário daquilo que algumas pessoas alheias à sua história podem achar, não é um evento meramente bélico, destinado a demonstrar os armamentos mais novos, como acontecia (oxalá que seja coisa do passado) na Coreia do Norte, e "assustar" o mundo ao seu redor. É muito mais que isso, sendo uma espécie de recreação daquele distante mês de maio, em que os soldados do Exército Vermelho hastearam a Bandeira da Vitória em cima do Reichstag, então encarnação do repelente regime fascista que por pouco acabou por não exterminar a metade do continente europeu.
Claro que de ano para ano, a gente vê cada vez menos veteranos nas primeiras bancadas da plateia. Mas aqueles que restaram não deixam de se emocionar cada vez com as canções militares, alguns deles até parados com mão perto da sua cabeça em sinal de saudação, apesar da idade e evidente fragilidade do corpo.
De fato, o objetivo principal da parada é celebrar a proeza dos heróis soviéticos. Ao mesmo tempo, o desfile também faz questão de mostrar que a Rússia, ensinada pelos horrores de guerra, ocupa-se de garantir seu poderio militar em caso de qualquer ataque inimigo. Para um país que perdeu mais de 25 milhões em guerra, isso não é uma "bajulação" ou "blefe" para assustar alguém. Isso é a única maneira de viver sem que o horror de guerra nunca se repita.