Não obstante, os especialistas com décadas de experiência em assuntos norte-coreanos não acreditaram nem um minuto nesse otimismo exagerado, opina o eminente analista russo.
A primeira tem a ver com a simples falta de conhecimento sobre a política de Pyongyang por parte de jornalistas dos meios de comunicação principais. Assim, as mensagens otimistas da imprensa abafaram o ceticismo expresso pelos profissionais, explica Lankov em seu artigo para a edição russa da Forbes.
O segundo motivo consiste da habilidade do próprio presidente dos EUA, Donald Trump, "de criar um espetáculo bombástico a partir da reunião em Singapura". O objetivo deste "show", de acordo com Lankov, é "convencer os eleitores de que seu governo conseguiu algo que nenhum de seus antecessores conseguiu fazer: resolver a questão nuclear norte-coreana".
Uma 'ressaca' diplomática
"A tomada de consciência da triste realidade é inevitável, e parece que isso está acontecendo antes do esperado. Nos dias 7 e 8 de julho, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, visitou Pyongyang. Lá, deveria ter acordado os prazos e planos concretos para o desmantelamento gradual do programa nuclear norte-coreano. Mas ele não conseguiu obter absolutamente nada da parte norte-coreana", sentencia o especialista.
Lankov relembra que o programa nuclear da Coreia do Norte remonta aos anos 60 e está estreitamente vinculado com a "certeza absoluta" dos líderes norte-coreanos de que só as armas nucleares podem proteger o país de uma invasão externa e assegurar a conservação do poder nas mãos da elite atual.
Esta certeza foi ainda reforçada neles pelo exemplo da Líbia, pois após o então líder do país, Muammar Kadhafi, ter voluntariamente fechado o seu programa nuclear, os países ocidentais interferiram no conflito interno líbio ao lado dos rebeldes em meio a uma insurreição armada no país.
Kadhafi morreu e a Líbia ficou praticamente despedaçada, fomentando a fé dos líderes norte-coreanos de que é indispensável possuir armas nucleares.
"Esta postura é lógica e é difícil argumentar contra ela. Porém, nesse caso surgem as perguntas: com o que esteve relacionada a cúpula em Singapura e por que a Coreia do Norte, que até havia introduzido uma cláusula sobre seu estatuto nuclear na Constituição, se declarou disposta a discutir um hipotético desarmamento nuclear?", se pergunta o especialista.
As duras declarações sobre uma possível guerra e as ameaças diretas da administração norte-americana ao longo do ano de 2017 foram cuidadosamente avaliadas em Pyongyang e nas outras capitais interessadas, sem importar se eram de confiar ou não, salienta Lankov.
A pressão econômica e diplomática contra a Coreia do Norte corria o risco de provocar uma grave crise no país, enquanto a retórica bélica tinha certa credibilidade, dado que o círculo de Trump não parecia muito a par dos possíveis 'danos colaterais', neste caso, as vidas de cidadãos sul-coreanos e japoneses em um potencial conflito.
As alusões a uma solução militar tiveram impacto também na China, que optou por fazer pressão econômica sobre o seu vizinho.
Ao encontrar-se nesta situação dificultada, Kim Jong-un decidiu fazer algumas concessões e mostrar-se disposto a cooperar, prometendo mesmo se livrar das armas nucleares, explica o autor. Desse jeito, isso culminou com a cimeira de Singapura e um acordo vago e pouco vinculativo.
A decisão de Donald Trump de cumprir sua promessa da campanha eleitoral e desencadear uma guerra comercial com a China mudou tudo, adianta o especialista.
Na opinião de Lankov, nessa situação Pequim não planeja deixar tudo como está e está começando a procurar respostas assimétricas, particularmente relacionadas com a Coreia do Norte.
E a guerra comercial vigente tornou sua missão muito mais fácil: agora, a Coreia do Norte "não é uma fonte de problemas, mas uma ferramenta conveniente para pressionar os EUA".
Ao sentir o apoio por parte da China, Pyongyang se atreveu a tomar uma posição mais dura sobre seu hipotético desarmamento nuclear, demonstrada durante a visita de Pompeo.