A integração latino-americana está em xeque. O presidente colombiano, Iván Duque, anunciou em 28 de agosto que seu país vai se retirar da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) pela "cumplicidade com a ditadura" venezuelana. Antes, em abril, seis dos seus Estados-membros, ou seja, o Brasil, a Argentina, o Chile, o Peru, o Paraguai e a Colômbia, já haviam decidido suspender participação no respectivo órgão até que fosse nomeado um novo secretário-geral.
Divergências internas
Com a retirada de um dos seus integrantes, cresce a possibilidade de que outros também se retirem. Foi isso que partilhou o chanceler chileno, Roberto Ampuero, ao afirmar que o organismo "não conduz a nada, não contribui para a integração e não é capaz de resolver [nada]".
Enquanto isso, não é a única aliança que experimenta o êxodo dos seus membros. No fim de agosto, citando razões similares apresentadas pela Colômbia ao abandonar a Unasul, o Equador anunciou sua saída da Aliança Bolivariana da América (ALBA), criada em Cuba em 2004 em resposta ao projeto da Aliança de Livre Comércio das Américas (ALCA), formado em 2001 e liderado pelos EUA, que, portanto, nunca chegou a se concretar.
Já o analista equatoriano Julio Burdman disse à Sputnik que a decisão do país tem a ver com o "problema" da chegada dos venezuelanos ao seu território devido ao "êxodo em curso".
"A economia do Equador está dolarizada, por isso não podem imprimir sua própria moeda. Isso gera medo na população, já que a base monetária do país é de difícil reposição e é abastecida somente pelas exportações. A chegada dos venezuelanos, que obtêm postos de trabalho em diferentes esferas, provoca preocupação em relação à possível saída de dólares devido aos imigrantes que querem ajudar suas famílias no país de origem", explicou.
Além disso, manifestou que ambas as saídas, a colombiana da Unasul e a equatoriana da ALBA, têm a ver com "gestos de superação de postura nacional", com políticos afirmando ser uma maneira de "proteger seus países de um contexto internacional desfavorável".
Tendência de envergadura global
Outros analistas ainda consideram que a crise de "desintegração" sofrida pelos países latino-americanos é um reflexo daquilo que passa no mundo como todo.
As motivações e condições para a criação de alianças parecem ser distintas passada uma década desde o nascimento da Unasul.
"Na década de 2000, a América do Sul começou a formar estruturas de integração como a Comunidade Sul-Americana das Nações, Unasul, CELAC, ALBA, entre outros. Havia uma ideologia latino-americana que deu nascimento a estes processos marcados pela ideologia de crítica ao capitalismo e à hegemonia estadunidense, mas que, de fato, não fez nada para superar o que criticava", explicou a diretora.
Nos últimos anos, os governos de esquerda que dominavam o mapa político da região foram perdendo protagonismo para a direita que voltou a retomar fórmulas como o mercado livre. Nesse contexto, em 2011 nasceu a Aliança do Pacífico integrada por Chile, Colômbia, México e Peru.
Paralelos com Europa
Na opinião de Mellado, a América Latina está repetindo o que sucedeu há alguns anos na Europa com o Brexit (processo político iniciado em 2018 que tem como objetivo a saída do Reino Unido da União Europeia).
"A diferença é que eles já estão recapitulando porque se deram conta dos perigos que acarreta a desunião", indicou a interlocutora da Sputnik.
"Vivemos uma etapa de desintegração na América Latina. É uma forma de hipotecar o futuro dos países, não há saídas individuais. Nenhum país periférico está em condições de negociar de maneira individual com aqueles que têm mais poder. A integração permite potencializar a capacidade de negociação externa", agregou.
"Estamos em um momento em que o integracionismo não é o caminho elegido pelos dirigentes políticos para enviar mensagens à sua população. Isto talvez seja miopia, se tivermos em conta que estes processos gerem verdadeiras vantagens para os países que se integram. Entretanto, acredito que são coisas que de algum modo seguem enraizadas nas sociedades e não acabarão desaparecendo de uma vez por todas", concluiu o analista Burdman.