Com uma diferença superior a 10% entre os dois adversários e em meio à abstenção extrema do eleitorado, a acirrada corrida presidencial de 2018 acabou com a vitória de Jair Bolsonaro. Em uma conversa com a Sputnik Brasil, a brasilianista e especialista em assuntos latino-americanos, professora titular da Universidade de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO), Lyudmila Okuneva, chamou atenção ao número de pessoas que decidiram não manifestar apoio nem ao candidato de direita, nem ao petista Fernando Haddad.
A especialista também confessou ter se surpreendido com o pronunciamento da vitória do presidente eleito, onde falou muito sobre respeito à democracia e à Constituição, enquanto durante a corrida eleitoral "de fato tinha demonstrado desprezo" à lei principal.
"Primeiro pronunciamento dele faz reverência à democracia, à Constituição, a um Brasil próspero e a um Brasil grande. Tudo lá soou bem, nem dá para criticar. […] Ao mesmo tempo, um presidente que está chegando ao poder não pode falar algo do tipo — vou expulsar metade do país, claro que não", analisou Lyudmila Okuneva.
Isto, na opinião da brasilianista, pode ser um sinal do futuro abrandamento da retórica do chefe de Estado eleito com o seu encaixamento no sistema político brasileiro e existência de certos pesos e contrapesos no poder.
"Acredito que alguém o instruirá agora, me parece que quando ele estiver no establishment, quando começar a composição do governo […] aqui pode passar a ser muito corrigido. E, talvez, nesse caso, chegue ao poder um político comum, e todo mundo se pergunte: 'Por que o criticamos tanto?'. Isso também pode acontecer", avaliou a especialista à Sputnik.
Contudo, frisa a entrevistada, por enquanto é muito cedo para fazer quaisquer previsões. A única orientação evidente é a via neoliberal apresentada por Paulo Guedes, autor do programa econômico de Bolsonaro e provável ministro da Fazenda no novo governo. Outras "visões mais claras" só aparecerão no período de transição, que, segundo o presidente Temer, começou já a partir de hoje.
"Ele teria muito menos vantagem se tivesse participado dos debates, porque não estava preparado da mesma forma [que o adversário] e ele não sabe formular suas opiniões de modo tão bem como Haddad. Assim, foi mais vantajoso para ele travar uma campanha nas redes sociais, através de vídeos, do Twitter e de declarações mordazes e curtas", analisou.
Quanto à "virada" falha do PT, a brasilianista destacou vários fatores — a escassez de tempo para promover Haddad, a fracassada aliança com os políticos de centro-direita e centro-esquerda e, evidentemente, uma "aversão enorme" para com o Partido dos Trabalhadores entre a população, na sequência de todos os escândalos de corrupção dos anos recentes.