A Sputnik Brasil ouviu o doutor em Ciências Políticas e professor de Política Internacional da Universidade Estadual do Rio Janeiro, Paulo Velasco para tentar entender quais serão os rumos do país a nível global. Embora admita se tratar de um "exercício de futurologia" baseado em declarações do futuro chanceler, Ernesto Araújo e do próprio presidente eleito, Velasco pontuou alguns temas que indiciam qual será a postura brasileira a partir de 2019.
Quando ainda era pré-candidato, Bolsonaro irritou Pequim com uma viagem a Taiwan. Eleito, chegou a declarar que "nem a China nem ninguém poderá comprar o Brasil". A resposta veio por meio de editorial do China Daily, visto como a voz do Partido Comunista: a política anti-Pequim "pode servir para algum objetivo político específico, mas o custo econômico pode ser duro para a economia brasileira, que acaba de sair de sua pior recessão da história", escreveu o jornal.
Apesar das rusgas, Velasco avalia que dificilmente o Brasil deixaria os BRICS. Para o professor, o grupo oferece "uma vitrine, uma forma de se projetar internacionalmente onde o Brasil um poder de barganha ampliado e sua legitimidade também fica reforçada".
"Eu não vejo o Brasil realmente disposto a abrir mão de um agrupamento que nos custa muito pouco. Estar nos BRICS não nos traz maiores ônus nem financeiros, muito menos geopolíticos, mas sim fatores interessantes como a possibilidade de dialogar e cercar-se de potências de grande peso e envergadura", analisa Velasco, completando ainda que, embora o grupo seja característica marcante dos governos petistas, o governo Michel Temer percebeu a importância de estar ao lado de grandes potências como China e Rússia.
Mercosul
Logo após a eleição, foi recebida com supresa a ríspida declaração do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, a uma repórter do jornal argentino Clarín. Questionado sobre o papel do Mercosul no novo governo, Guedes respondeu dizendo que o bloco "não era prioridade" do novo governo. A ruptura com a união entre Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela (suspensa) representaria um ponto fora da curva desde a assinatura do Tratado de Assunção que deu vida ao Mercosul em 1991.
"[O posicionamento de Guedes] pode significar talvez não a saída do Brasil do Mercosul, mas uma tentativa de renegociar as bases do bloco, tentando fazer com que deixasse de ser uma união aduaneira e retrocedesse à condição de área de livre-comércio. Isso significaria o fim da tarifa externa comum e a negociação conjunta", afirma.
ONU e o multilateralismo
Durante a campanha, Bolsonaro chegou a dizer que, caso eleito, "deixaria a ONU". O então candidato retrocedeu logo depois dizendo que pensava em abandonar o Conselho de Direitos Humanos da ONU, considerado pelo pesselista parcial em relação a Israel. Ele também cita as decisões do órgão favoráveis à candidatura do ex-presidente Lula como um dos motivos para a decisão.
Velasco avalia que há confusão entre os termos "unilateralismo" e "isolacionaismo". Ele não vê como o Brasil poderia se furtar de cumprir com agendas internacionais, mas "o caminho que parece estar sendo indicado é diferente do que atuamos ao longo de décadas. Não será o do multilateralismo, mas o de iniciativas unilaterais distanciando o país de foros como a ONU, o que certamente é um risco para nós justamente por não termos tanto poder".
Para o professor, "historicamente, a diplomacia brasileira entende o multilateralismo como um espaço natural de ação para o país" e a ONU "é o grande espaço multilateral no mundo, que alcança temas super importantes como meio-ambiente, direitos humanos, desenvolvimento e, evidentemente, segurança internacional".
"Países mais poderosos como é o caso da China, dos Estados Unidos e da Rússia podem até se dar ao luxo de agir em bases unilaterais sem que isso traga maiores consequências, mas nações como o Brasil que não passam da condição de potências médias precisam do multilateralismo até como forma de legitimação internacional", termina.