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'Velha política': Como eleições para comandar Câmara e Senado ameaçam planos de Bolsonaro

© Foto / Antonio Cruz / Agência BrasilJair Bolsonaro ao lado de Rodrigo Maia durante encontro da equipe de transição, em 2018
Jair Bolsonaro ao lado de Rodrigo Maia durante encontro da equipe de transição, em 2018 - Sputnik Brasil
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Em 8 dias terá início da 56ª legislatura na Câmara dos Deputados e no Senado Federal do Brasil, com 594 parlamentares tomando os seus assentos sob os olhares do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que dependerá diretamente deles para avançar em pautas sensíveis ao governo. Mas há entraves consideráveis, como mostra a Sputnik Brasil a partir de agora.

A Reforma da Previdência e a privatização de estatais são duas das principais bases de sustentação do ousado programa econômico do ministro da Economia, Paulo Guedes. O reforço na legislação anticorrupção é uma demanda capitaneada pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Nada, porém, vai caminhar sem negociar com os presidentes das duas Casas.

É aqui que aparece a primeira contradição. Eleita com um discurso anti-establishment e crítico à "velha política", a bancada do ex-nanico PSL ensaiou lançar uma candidatura à Presidência da Câmara, mas recuou e agora já acena com um apoio declarado ao atual presidente da Casa, deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ).

No Senado, mesmo com um candidato próprio – o ex-deputado e hoje senador Major Olímpio (PSL-SP) –, o partido de Bolsonaro ainda não deixou claro qual será a sua tática. Aquele que seria o principal articulador da legenda na Casa, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, enfrenta seus próprios problemas com o ex-assessor Fabrício Queiroz.

Velho x novo: só retórica?

"Se bancarmos propostas dessas e formos derrotados, abre espaço para velha política vir para cima de nós. Não posso correr esse risco, tenho que começar o ano que vem com nossas propostas e tentar convencer deputados e senadores a votar de forma paulatina", declarou Jair Bolsonaro em uma entrevista à Rede Record, em novembro do ano passado.

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Já eleito para ser o 38º presidente da história do Brasil em sua sexta República, o ex-capitão do Exército Brasileiro e deputado federal por quase 30 anos reforçava a plataforma de rompimento com velhos métodos do presidencialismo de coalizão brasileiro, como o chamado "toma lá, da cá", quando votos eram trocados por cargos, emendas e outras benesses.

Elogiado pelo mercado financeiro e setores da sociedade por ter montado um ministério mais técnico (recheado de militares) do que político – apenas cinco dos 22 ministros têm ou tiveram mandatos legislativos no Congresso –, Bolsonaro defendeu uma série de reformas e medidas na campanha eleitoral que dependem do Legislativo para sair do papel.

Um movimento inicial para romper com velhas práticas foi negociar com bancadas temáticas – como a Ruralista, da Bala e Evangélica –, o que permitiu indicações para ministérios e para cargos de segundo e terceiros escalões do governo. Entretanto, especialistas já alertavam que a lógica não valeria para votações, quando tais bancadas costumam se fragmentar.

A força dos partidos e seus líderes deverão aparecer a partir de 1º de fevereiro, quando novos deputados federais e senadores assumem seus mandatos de quatro anos. No mesmo dia está prevista a eleição para a Mesa Diretora da Câmara e do Senado, com o posto mais almejado sendo o da Presidência. Para especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, esses dois pleitos serão os primeiros a colocar à prova o debate entre a velha e a nova forma de fazer política.

"Nós tivemos uma renovação na Câmara, como no Parlamento nacional de modo geral, considerável em termos de nomes. Muitas pessoas que jamais ocuparam cargos no Parlamento foram eleitas, e resta saber se esta renovação vai ocasionar aquelas mudanças que todo mundo espera que é sair deste marasmo, dessas negociações, deste presidencialismo de coalizão que levou o Brasil para a situação que estamos hoje, que alimentou corrupção, alimentou desgoverno, enfim, tudo isso que foi discutido durante a campanha e que foi prometido que seria solucionado", disse o doutor em Direito Público e ex-reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Antônio Celso Alves Pereira.

Após ensaiar um candidato próprio para a Câmara – eleita com expressiva votação, a jornalista em primeiro mandato Joice Hasselmann (PSL-SP) chegou a sonhar com a indicação direta de Bolsonaro, o que não ocorreu –, o governo indicou não ter articulação suficiente para lançar um nome próprio e se alinhou a Rodrigo Maia, que busca o seu terceiro mandato no comando da Casa.

Até o momento, Maia terá que disputar os 513 votos contra oito desafiantes: Capitão Augusto (PR-SP), João Henrique Caldas (PSB-AL), Fábio Ramalho (MDB-MG), Alceu Moreira (MDB-RS), Marcelo Freixo (PSOL-RJ), Kim Kataguiri (DEM-SP), Ricardo Barros (PP-PR) e Marcel van Hattem (Novo-RS). Até o dia da eleição o número pode ser alterado. O favoritismo de Maia, não.

"A gente sabe que, mesmo com essa renovação de cadeiras no Congresso Nacional, de parlamentares em primeira legislatura, o fato de ter uma mudança de nomes não quer dizer que exista uma mudança de ideias. Então muitos deles são identificados com a manutenção do status quo, de muitos privilégios, então a questão da velha política e nova política é muito mais de retórica do que de prática", declarou à Sputnik Brasil o cientista político da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Pedro Arruda Fassoni.

Para embasar o seu raciocínio, Fassoni relembrou o noticiário brasileiro e suas reportagens diárias acerca do imbróglio envolvendo Flávio Bolsonaro e o seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, que teria movimentado R$ 7 milhões entre 2014 e 2017 – um valor incompatível com os ganhos dele, segundo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

"O Bolsonaro está em maus lençois agora por conta das denúncias que surgem todos os dias envolvendo seus filhos e assessores parlamentares, o que mostra que as evidencias são muito fortes de que eles também estão envolvidos em velhas práticas, inclusive com suspeitas de crescimento patrimonial incompatível com os rendimentos, e também o fato que o próprio candidato preferido do presidente para vencer a eleição na Câmara, Rodrigo Maia, é uma pessoa identificada com a velha política. Como falei, é uma questão muito mais de retórica do que de prática", acrescentou.

Renan Calheiros, o 'sobrevivente'

"O Renan é uma pessoa que já está há bastante tempo ali, foi reeleito, então, portanto tem que ter o diálogo, mas certamente para a presidência da Casa não é o que a população espera. A gente tem que dar um norte para o Senado que tenha sintonia com que o brasileiro disse nessas eleições, então certamente nosso apoio não será para o Renan", afirmou Flávio Bolsonaro, no fim de novembro de 2018.

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A fala expunha, à época, o papel que o filho do presidente desempenharia no Senado assim que assumisse a sua cadeira. Contudo, passados dois meses, a situação é distinta e Flávio vive um próprio drama político, com o escândalo envolvendo seu ex-assessor. O seu papel de articulador parece ter ficado em segundo plano, e contrasta com a capacidade de sobrevivência demonstrada justamente por Renan Calheiros (MDB-AL).

Eleito no ano passado para o seu quarto mandato consecutivo no Senado, Calheiros recebeu no pleito o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em tempos nos quais o antipetismo impulsionou o bolsonarismo à vitória presidencial. Antes da era petista, Calheiros chegou a ser ministro da Justiça do tucano Fernando Henrique Cardoso. E já foi aliado do ex-presidente Fernando Collor, antes deste cair em desgraça por um processo de impeachment em 1992.

"É uma capacidade de sobrevivência desse senhor [Renan Calheiros] que é de se admirar apenas neste aspecto", avaliou Antônio Celso Alves Pereira, a quem classificou o pleito e favoritismo para retornar à Presidência do Senado como "um processo bastante incrível".

No Senado, há uma tradição na qual o partido de maior bancada – quase sempre o MDB – fica com a presidência. O próprio Calheiros ocupou o comando da Câmara Alta brasileira em pelo menos três ocasiões e é considerado favorito para vencer a eleição. Até aqui, há contra ele seis adversários colocados – Simone Tebet (MDB-MS), Major Olímpio (PSL-SP), Esperidião Amin (PP-SC), Davi Alcolumbre (DEM-AP), Álvaro Dias (Podemos-PR), e Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Se na Câmara dos Deputados só um desastre tira a Presidência de Rodrigo Maia, no Senado a disputa promete ser mais apertada. Calheiros e Tebet devem disputar internamente, no MDB, qual será o preferido da sua bancada. Definido o candidato, eles terão de lidar com o movimento do ministro-chefe da Casa Civil, o deputado federal do DEM Onyx Lorenzoni (RS), em favor da eleição na Casa de Davi Alcolumbre – quebrando, assim, a tradição.

"O caso do Senado é muito complicado, segundo a opinião pública nacional, eleger o Renan Calheiros. Mas, como ele tem uma força enorme dentro do partido [MDB], ele é muito hábil, vem demonstrando em todos os governos, ele inclusive esteve presente em todos os últimos governos como figura exponencial e de apoio e de sustentação da base do governo no Senado", pontuou Antônio Celso Alves Pereira.

O doutor em Direito Público comentou que Calheiros já fez acenos ao governo Bolsonaro – "já houve diálogo dele com o poderoso ministro da Economia, e ele se candidata a ser a pessoa que vai resolver, ajudar e promover a aprovação da Reforma da Previdência no Senado, ele disse que tem competência para isso pelas articulações que ele tem dentro do partido majoritário no Senado que é o MDB" –, e por isso poderia capitalizar com a falta de outras opções.

Tanto para Calheiros quanto para Rodrigo Maia repousam riscos externos, como as tentativas na Justiça de obrigar que as votações para o comando das duas Casas sejam abertas (o regimento interno prevê votação secreta e isso já foi resguardado pelo Supremo Tribunal Federal recentemente), ou se um réu pode concorrer à Presidência do Senado (o ministro Luiz Fux pode tomar uma decisão que poderia ter impacto na candidatura de Calheiros).

Por enquanto, a bancada governista não fechou posição sobre quem irá apoiar – Major Olímpio já indicou que pode retirar a sua candidatura em prol de um nome de consenso –, mas há forte resistência a apoiar Calheiros. Da sua parte, o MDB deve brigar para manter o comando do Senado, como é frequente, e os demais candidatos tentam construir seus nomes como uma "terceira via", sobretudo em um cenário de segundo turno contra Calheiros.

Imprevisibilidade é a regra. Até na oposição

A negação da "velha política" levou a uma renovação sem precedentes no Congresso Nacional, com um índice de 47,3% na Câmara (243 deputados de primeiro mandato), e de expressivos 85% (46 novos parlamentares) no Senado – este tendo colocando em jogo dois terços de suas cadeiras para mandatos de oito anos. Tão difícil quanto afirmar se isso significará novas práticas é prever as organizações partidárias. A começar pelo PSL.

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Na opinião de Pedro Arruda Fassoni, o perfil mais nítido da próxima legislatura é o de ser mais conservador do que o Congresso anterior, com vários deputados e senadores identificados com pautas mais conservadoras, sobretudo no aspecto dos costumes, direitos humanos, segurança pública e economia liberal.

"O partido do Bolsonaro cresceu bastante, é a segunda maior bancada na Câmara, e alguns partidos mais tradicionais como PT, PSDB e MDB acabaram perdendo espaço, perdendo cadeiras nas duas Casas. Então, tem também um componente de maior imprevisibilidade porque não sabemos como esses novos parlamentares vão atuar. A gente já viu alguns desentendimentos, algumas discordâncias dentro do próprio PSL do presidente", ponderou.

Para quem não está na esfera governista, há poucos motivos para celebrar. Dono da maior bancada oposicionista na Câmara, o PT vem sendo rejeitado por outras siglas contrárias ao governo Bolsonaro – um rescaldo da derrota presidencial de Fernando Haddad no segundo turno, quando a fragmentação e as rusgas com o pedetista Ciro Gomes entraram em ebulição. E não há sinais de que as feridas estejam cicatrizadas e uma unidade esteja próxima, apesar dos recentes esforços.

"A oposição ao governo Bolsonaro – leia-se, os partidos de esquerda – são poucos no Congresso Nacional e estão divididos. O único candidato de esquerda ali [para a Presidência da Câmara] é o Marcelo Freixo, mas não consegue reunir nem mesmo o campo progressista porque a bancada do PT, por exemplo, não definiu o seu apoio. É bastante difícil, o PDT também, então essa divisão das esquerdas acaba favorecendo bastante o governo", ressaltou o cientista político da PUC-SP.

Antônio Celso Alves Pereira concorda. Em sua opinião, o PT "sabe fazer oposição, sempre soube fazer, são aguerridos, são realmente muito firmes nas posições que tomam quando estão na oposição", porém o partido atravessa uma severa crise interna e, por isso, estão muito "perdidos" hoje.

"Isso é parte do processo que a oposição faz e sempre fez. Vamos ver se vão conseguir uma unidade entre eles para que possam retomar o papel que é importante no sistema democrático, o de uma oposição bastante aguerrida, mas que precisa ser construtiva e propositiva", sentenciou.

A definição das Mesas Diretoras de Câmara e Senado é importante, e deverão ser seguidas por disputas pelas comissões de cada uma das duas Casas. Segundo analistas, o PSL deve ser mais firme na busca pelo comando da Comissão de Constituição e Justiça, considerada a mais relevante e por onde passam todas as propostas. A urgência do avanço e aprovação da Reforma da Previdência para Bolsonaro só aumentam a pressão.

Mas, caso se alinhe abertamente a nomes da “velha política” que são conhecidos por sua atuação parlamentar ambígua (Maia e Calheiros) no comando da Câmara e do Senado, o governo pode se sentir otimista quanto à aprovação da Reforma da Previdência ainda no primeiro semestre? A Sputnik Brasil fez essa provocação aos especialistas, que apresentaram avaliações distintas.

"A gente só pode arriscar um prognóstico dessa dimensão depois que tivermos o teor da reforma. Porque, se for uma reforma muito radical, vai ser difícil aprovar. Agora, se for uma reforma que vai mudar aspectos importantes, mas que não vai tirar muitos direitos… a gente tem que ver primeiro o que vem nessa reforma […]. Ele [Bolsonaro] precisa ter isso definido porque logo passa essa tolerância que, tradicionalmente, se dá aos governos novos nos primeiros 100 dias", arriscou Antônio Celso Alves Pereira.

Da sua parte, Pedro Arruda Fassoni indicou ter sérias dúvidas da capacidade política do governo Bolsonaro em aprovar uma medida tão impopular como a Reforma da Previdência com tamanha rapidez. Contudo, ele pontuou que é possível sim que algo seja aprovado, ainda que não exatamente o que o "Posto Ipiranga" Paulo Guedes tenha em mente de saída.

"Vai ser bastante difícil porque, ao contrário da Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência passa por mudanças na Constituição e isso exige uma maioria qualificada, um quórum de três quintos ou 60% em cada uma das Casas do Congresso […] a maioria da população brasileira, segundo pesquisas, se manifesta contra essa reforma que é bastante impopular também porque não ataca os privilégios da magistratura, dos militares. Mesmo no Fórum [Econômico] de Davos, o Bolsonaro tocou nesse assunto, mas não foi muito convincente justamente pela dificuldade que se apresenta. Pode até sair uma Reforma da Previdência, mas não aquela pretendida pelo Paulo Guedes, mas sim alguma medida mais acanhada", opinou.

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