Depois do encontro com Araújo na Casa Branca, em Washington, o assessor de segurança de Trump, John Bolton, exaltou que "aliança Estados Unidos-Brasil está mais forte do que nunca", revelando que "apoio mútuo ao presidente interino da Venezuela [Juan] Guaidó" e "a logística para fornecer assistência humanitária ao povo venezuelano" estiveram na pauta.
Just met with Brazil’s Foreign Minister Araujo at the White House. We discussed mutual support for Venezuela’s Interim President Guaido, including logistics for providing humanitarian assistance for the Venezuelan people. The United States-Brazil alliance is stronger than ever.
— John Bolton (@AmbJohnBolton) 5 de fevereiro de 2019
Virulento crítico do governo de Nicolás Maduro antes e no início da sua gestão à frente do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, Araújo não se pronunciou nas redes sociais sobre a reunião com Bolton. Tampouco escreveu sobre o encontro posterior, com o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo.
Brazilian MFA @ernestofaraujo and @SecPompeo met in Washington today to prepare President´s @jairbolsonaro visit to the US. pic.twitter.com/IpeMMYQh3u
— Itamaraty Brazil🇧🇷 (@Itamaraty_EN) 5 de fevereiro de 2019
O silêncio deve ser interpretado com cautela e moderação, de acordo com o cientista político e professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Maurício Santoro. À Sputnik Brasil, ele chamou de "pueril" o entusiasmo do governo do presidente Jair Bolsonaro com declarações americanas.
"Claro que por razões ideológicas, pelo fato do governo Bolsonaro estar buscando uma aproximação enorme com os EUA, isso tem afetado a forma com que o Brasil tem respondido à crise na Venezuela. É um assunto muito difícil, um tema complicadíssimo, que deveria estar sendo pautado por uma enorme cautela, um enorme cuidado, e muitas vezes o que vemos é o Brasil entrando em um entusiasmo pueril com as declarações americanas e isso é perigoso", disse.
No fim de semana, Trump deu a entender em uma entrevista de que o envio de militares para debelar a crise na Venezuela, em uma intervenção militar aberta, não estaria descartada. Somada a uma foto de anotações de Bolton, flagrada na semana passada e que apontaria um suposto envio de 5 mil militares para a Colômbia (o Pentágono descartou a medida), cresce o temor acerca do uso da força contra Maduro.
No entanto, na opinião de Santoro, toda a retórica da Casa Branca contra a Venezuela deve ser interpretada hoje mais como um instrumento de pressão política do que qualquer outra coisa – em uma estratégia que lembra, em certa medida, à troca de farpas travada em um passado recente com o líder norte-coreano Kim Jong-un.
Mas se os EUA lançarem mão de uma intervenção militar, onde o Brasil se colocaria? O analista fez uma avaliação cautelosa.
"Caso ela ocorra, ainda que o governo Bolsonaro tivesse essa intenção, de atrelar ao máximo o Brasil aos EUA, que a rejeição a uma intervenção deste tipo seria tão alta na América Latina que o Brasil acabaria ficando fora, mesmo com todo desejo do governo de ver algo desse tipo ocorrendo", ponderou Santoro.
'Intervenção branca' no Itamaraty
A moderação recente de Araújo em suas declarações sobre a Venezuela está na conta dos militares presentes no governo, de acordo com o especialista ouvido pela Sputnik Brasil. Para ele, o apreço do chanceler brasileiro à administração Trump – em 2017, bem antes de assumir o cargo, Araújo chegou a escrever que o presidente dos EUA seria o único capaz de "salvar o Ocidente" – vai sendo enquadrado à realidade pelos militares.
"Nunca tivemos um chanceler brasileiro com um nível de entusiasmo com um líder político estrangeiro em nenhum momento da nossa história [...]. Quer dizer, se não houvesse essa pressão dos militares, sabe-se lá o que Araújo estaria fazendo, o que a política externa estaria fazendo hoje. Mas, sem dúvida, os militares estão fazendo valer um papel de moderação, de tentar conter as iniciativas mais truculentas do governo Bolsonaro na política externa", opinou.
No último domingo, o jornal Folha de S. Paulo revelou que os militares do governo Bolsonaro estariam tutelando o Ministério de Relações Exteriores, sobretudo quando o tema é a Venezuela. Pelo menos dois importantes generais conversam regularmente com Araújo para acompanhar os seus passos, de acordo com a publicação.
Os militares desconfiam do chanceler desde o início do governo. Em 4 de janeiro, em sua primeira aparição internacional, em um encontro do Grupo de Lima no Peru, Araújo apoiou um documento no qual o item D defendia "suspender a cooperação militar com o regime de Nicolás Maduro". Isto irritou os militares brasileiros, que sabem mais da situação do governo Maduro por meio dos militares venezuelanos do que pela Chanceleria do país caribenho.
A questão da base militar dos EUA no Brasil – abordada por Bolsonaro em uma entrevista ao SBT, e reforçada em seguida por Araújo – também preocupou o setor militar do governo, que tratou de pôr panos quentes do assunto, descartando-o, colocando o chanceler brasileiro em seu radar. Até mesmo o vice-presidente Antônio Hamilton Mourão, um general da reserva, vem atuando para modular a posição do Brasil no exterior.
"Quando falo dos militares, eu incluo também o vice-presidente nessa lista. Inclusive o vice-presidente que tem, bem, talvez hoje seja do interesse primordial do Brasil, mas um vice-presidente que morou lá [entre 2002 e 2004], que foi adido militar na Venezuela em um período bastante turbulento, do início do chavismo", afirmou Santoro.
"E aí pesa também não só esse extremismo do chanceler, mas também o fato dele ser um diplomata muito júnior para o posto que ele ocupa. Ele nunca tinha sido embaixador no exterior, nunca tinha comandado uma embaixada brasileira no exterior, então isso é algo que também o enfraquece nas disputas internas. Os militares acabam prevalecendo muitas vezes por serem profissionais mais experientes, por terem uma capacidade de influenciar maior do que a do próprio chanceler", acrescentou.
O aspecto “júnior” de Araújo é algo que une militares e diplomatas mais graduados do Itamaraty. Logo após a indicação para comandar o Ministério de Relações Exteriores, a escolha de Bolsonaro causou surpresa e revolta, de acordo com fontes do Itamaraty.
"É como se o presidente eleito tivesse indicado um general três estrelas para comandar a Defesa ou o Estado-Maior das Forças Armadas. Nunca um chefe de departamento, um cargo de terceiro escalão, foi alçado a chanceler. É uma pessoa de perfil bem baixo. É de se questionar que tipo de liderança ele poderá ter", declarou uma fonte à Agência Reuters.
Segundo Santoro, a moderação de Araújo em relação à Venezuela, em contraponto ao seu latente e conhecido trumpismo, terá um papel central na sua sobrevivência como chanceler do Brasil, ao menos no curto prazo.
"Acho que tem duas possibilidades para ele: ou ele se torna uma figura mais moderada, mais próxima à essa visão dos militares, que possa trabalhar junto com o ministro da Economia [Paulo Guedes], ou eu acho que ele vai acabar sendo defenestrado. A gente já está vendo uma briga interna dentro do governo entre o Olavo de Carvalho, que afinal de contas é o padrinho político e ideológico do chanceler, e os militares, e uma briga com um nível de exaltação retórica muito alto, se xingando publicamente", relembrou.
O cientista político complementou que, embora Araújo já tenha mostrado o poder de "entusiasmar a base eleitoral do governo" nas redes sociais, isso é "muito pouco" para comandar a política externa do Brasil. "Os militares têm uma influência muito maior, uma capacidade muito maior em fazer valer a sua opinião perante o presidente", finalizou.
A moderação vista após os encontros desta semana com Bolton e Pompeo nos EUA, por ora, veio para ficar no Twitter de Araújo.